top of page

Capacidade Negativa: Um caminho em busca da luz

Arnaldo Chuster

Anie Sturmer

Clarisse Jahn Ribeiro

Rubia Vack

Suzana Chinazzo

Valderez Timmen


Introdução


Este livro é baseado num seminário de W.R.Bion sobre o conceito de capacidade negativa, expressão que o autor tomou emprestado do poeta Keats.


O seminário foi objeto de profícuos diálogos no grupo de estudos por mim coordenado, e composto pelas psicanalistas Anie Sturmer, Suzana Chinazzo, Clarisse Jahn Ribeiro, Rubia Vack, Valderez Timmen.

As ideias discutidas foram expandindo, e ganhando um corpo maior do que inicialmente havíamos imaginado. Nada de novo nisso, uma vez que esta tem sido a característica deste grupo, que anteriormente publicou o livro Infidelidade e Traição a partir de estudos intensivos como o que agora apresentamos.

Decidimos publicar o texto que se segue quando atingimos a presente forma, apesar de sentirmos que poderíamos expandi-la ainda mais.

A expressão capacidade negativa_ como o próprio Bion assinala_ surge numa carta do poeta a seus irmãos, datada de 21 de dezembro de 1817 : “ várias coisas se entrelaçam na minha mente (ele está neste momento caminhando com Dilke [1]) e imediatamente me ocorreu qual qualidade é necessária para formar o Homem de Êxito, especialmente em literatura, e que Shakespeare possuía tão intensamente – refiro-me à capacidade negativa, isto é, quando um homem é capaz de conviver com incertezas, mistérios, meias-verdades, sem tentar apressadamente compreender – Coleridge, por exemplo, se contentaria com uma verossimilhança isolada apanhada do Penetralium [2] do mistério, uma vez que era incapaz de se contentar com um conhecimento pela metade”.

A primeira tarefa nos coloca no centro deste diálogo entre Bion e Keats, no qual nos deparamos com a captação da experiência de Keats por Bion, e o que Bion expande dessa experiência poética.

O leitor pode aqui nos confrontar com uma espécie de advertência. Vivemos numa era da ciência, da tecnologia da informação, da velocidade, e do acirramento das impacientes construções de concreto, literal e simbolicamente. Essa é uma época de faces endurecidas e de caminhos penosos, nos quais a violência se espalha_ não mais apenas pelas formas clássicas de guerra_ mas como vil terrorismo, tráfico e uso ilimitado de drogas, indiferença social, medicina fria e calculista, desonestidade de todo tipo que culmina na mais desavergonhada corrupção política. Uma era em que os sentimentos se esvaíram do cotidiano, no qual as pessoas estão cada vez mais imersas em si mesmas e nos seus pequenos aparelhos, que funcionam como espelho para olhar para si mesmo o tempo todo. Para que servem então, nesta era tão difícil, as palavras de um poeta romântico na psicanálise? E para que a psicanálise?

Não é exatamente uma resposta, mas podemos dizer que existem muitas personalidades nestes tempos turbulentos que não cederam aos caminhos comuns, não se deixaram subjugar pelos métodos triviais, que se preocupam com caminhos inesperados, onde os troncos largos de árvores frondosas de pensamentos libertam fragrâncias de sabedorias colhidas em muitas épocas florescentes. Aqui, a luz filtrada através de formas perfeitas de linguagem, acomoda-se por si mesma em delicados padrões para os que percebem a beleza. Foi para estas pessoas que escrevemos este ensaio, que nos leva aos difíceis caminhos do Ser, do Não Ser, da linguagem, da criatividade, e do exercício do pensar.

Apesar da adjetivação “negativa”, que na língua portuguesa costuma significar algo ruim ou improdutivo, a expressão capacidade negativa significa exatamente o contrário. O negativo adquire outro sentido, e por isso talvez pudéssemos chamá-la de capacidade virtuosamente expectante, mas por enquanto manteremos a tradução originária que foi feita do termo Negative Capability.

Portanto, mais do que tudo, o nosso intento neste ensaio é procurar enriquecer, encorajar, suscitar pensamentos, naqueles analistas que aprendem diariamente com a experiência, e que sabem que um pequeno livro sobre ricas ideias é sempre maior do que sua forma impressa.

A este propósito cito aqui um trecho da poesia The Builders, de Henry Wadsworth Longfellow (1807-1882)


All are architects of Fate,

Working in these walls of Time;

Some with massive deeds and great,

Some with ornaments of rhyme [3]


O poeta


Keats (nascido em Londres, 31 de outubro de 1795 – falecido em Roma, 23 de fevereiro de 1821) foi o último dos poetas românticos da Inglaterra, e o mais jovem a morrer, aos 25 anos de idade. Juntamente com Lorde Byron e Percy Shelley, ele foi uma das principais figuras da segunda geração do movimento romântico, apesar de sua obra ter começado a ser publicada apenas quatro anos antes de sua morte. Durante sua vida, seus poemas não foram geralmente bem recebidos pelos críticos; sua reputação, no entanto, cresceu à medida que ele teve uma influência póstuma significativa em diversos poetas posteriores, como Alfred Tennyson [4], Robert Browning [5], e Wilfred Owen [6].

A poesia de Keats é caracterizada por um imaginário sensual, mais visível na sua série de odes. Atualmente seus poemas e cartas são consideradas entre as obras mais populares e analisadas na literatura inglesa.

Filho de um cavalariço enriquecido, órfão a partir de 1804, muito jovem entusiasmou-se pela Grécia Antiga. Trabalhou como aprendiz de cirurgião durante cinco anos e depois foi nomeado externo do Guy's Hospital [7].

Keats estudou para ser farmacêutico, chegando mesmo a se formar. Porém, seu interesse por idiomas (dominava o latim e o francês), por história e mitologia o levou a exercer a literatura.

O trabalho de Keats raramente foi bem recebido pelo público e pelos críticos. Indiferente a isso, ele escreveu com abundância e qualidade, por toda a sua curta vida. Entre 1818 e 1819, concentrou-se em dois poemas importantes: Hyperion (inacabado), em versos brancos, sob a influência de John Milton, e La Belle Dame Sans Merci.

Keats dedicava todo tempo livre à leitura. Seus primeiros versos não mostravam o grande poeta que se tornaria, mas mesmo contra o conselho de amigos, publicou seus Poemas em 1817.

Abandonou a carreira médica para dedicar-se à literatura e começou a escrever o longo poema Endymion em 1818, que foi violentamente criticado. Tais críticas, no entanto, apenas estimularam o poeta a aprimorar seu talento.

No ano em que se publica Endymion, Keats encontrou Fanny Brawne, a grande paixão de sua vida. Todavia, teve que separar-se dela em 1820, devido à tuberculose que contraiu. Foi para a Itália, onde morreu poucos meses depois. Sobre seu túmulo, no Cemitério Protestante de Roma, foi esculpida a inscrição que ele mesmo redigira: Here lies one whose name was written in water (Aqui descansa um homem cujo nome está escrito sobre a água). Em sua memória, Shelley escreveu o célebre poema Adonais.

Trata-se de uma elegia para Keats, no que se refere ao assunto, mas também, como um segundo exercício para dominar a estrofe spenseriana que Shelley empregou originalmente em The Revolt of Islam (1817). No Adonaïs, Shelley, inspirado numa falsa noção de que Keats teria morrido de desgosto pelas resenhas desfavoráveis que angariara, escreve em desagravo aos críticos ingleses e sua incompreensão. Interessante que o poema conta também como elegia e desagravo a si mesmo, como podemos verificar na estrofe final.


Ó alento que eu invoquei nessa canção, descendas sobre a barca do meu ser.

Singrarei para além da multidão que tenta da tormenta se esconder.

O céu e a terra estão a se perder.

Eu vou ao longe, sempre conduzido, e vendo, – sob o etéreo véu, – arder Adonaïs, – como um Sol recém-nascido, – no Domo Eterno, – a irradiar, – inesquecido.

Note-se que Shelley revela-se aqui como o verdadeiro destinatário do sentimento de alienação que ele atribui a Keats no decorrer do poema, além de nos legar outro apavorante memento mori, ao evocar essa barca singrando para longe que acabaria por se manifestar, um ano após, no naufrágio do próprio Shelley, no golfo de Lerici.

O verdadeiro Keats é que não se enquadrava muito com a imagem que Shelley tenta lhe imputar no Adonaïs. Partilhava John Keats, contudo, da admiração de seu duplo no Adonaïs, (o próprio Adonaïs); não apenas pela eleição da musa de Spencer (Urânia, personagem no poema de Shelley); como também pela própria "mídia" em que consiste a estrofe spenceriana.

Keats empregou essa mesma estrofe em The Eve of St. Agnes (1821), poema dos que mais claramente ilustram a marcada diferença entre Keats-ele-mesmo e Keats-enquanto-Adonaïs: i.e., Keats enquanto personagem de Shelley.

Nessa tradução do Adonaïs, feita por Roberto Mario Schramm Jr [8]., ele segue um modelo de simetria radical com a estrofe poética empregada por ambos os poetas. A estrofe foi criada pelo poeta renascentista Edmund Spenser (1552-1599), que improvisa uma "oitava rima de nove versos", por meio da mera repetição da última rima da oitava real no nono verso (i.e. ababbcbc => ababbcbcc).

Poucos poetas escreveram obras tão importantes em tão pouco tempo como Keats. Em 1820 foram publicados Lamia, Isabelle, A vigília de Saint Agnes, Hyperion e cinco Odes. Os erros e imperfeições de seus poemas iniciais haviam desaparecido totalmente. Apesar de Keats nunca ter publicado nada em prosa, suas cartas ao irmão demonstram uma penetração crítica e filosófica verdadeiramente notáveis.

Numa outra dessas cartas encontramos uma frase que se conecta a expressão capacidade negativa e o trabalho de criação de linguagem pelo psicanalista:

“Acho que a poesia deve surpreender por um belo excesso e não pela singularidade – deve atingir o leitor como a formulação de seus mais elevados pensamentos e parecer quase uma lembrança. Se a poesia não surgir tão naturalmente quanto as folhas em uma árvore, é melhor que não apareça mesmo ”.

O trabalho do analista igualmente deve ocorrer naturalmente, caso contrário não faz o sentido que precisa fazer para os pacientes.

Considerando nossa época em que existe um esforço social grande para gerar novas expressões que possam dar conta de tantas inovações, o psicanalista se vê numa árdua tarefa, diante de duas qualificações sobre os agentes da mudança acelerada que sofremos. A primeira força-nos a sair da concepção estreita de que só agora nossa vida cotidiana é transformada pela tecnologia. Podemos imaginar, pela naturalidade atual dos usos, como foi surpreendente e transformador dos modos de vida o aparecimento do automóvel e do cinema, e agora o do celular. Se a primeira qualificação convida a estabelecer uma continuidade entre a modernidade e a atualidade, a segunda traz à tona a diferença.

Linguagem poética, psicanálise, capacidade negativa


Eu, muito provavelmente, hesitaria em sugerir a qualquer psicanalista o que tenho para dizer (sobre memória e desejo), e a razão para isso é que se trata de uma experiência intensa. Para começar existe ansiedade envolvida no querer saber ou não saber o que o paciente disse, ou o que alguém mais disse, e se o dito é plausível, se tem consistência e, caso contrário, o dito não seria plausível. Mas o efeito geral é intensificar a experiência analítica. A psicanálise dos pacientes se transfere para o centro da vida do analista, causando um efeito muito semelhante ao de ser analisado, isto é, da mesma forma que um analista é para o analisando uma pessoa importante. Esse fato se reflete em sonhos, da mesma forma que começa a refletir nos sonhos do analista e assim por diante. Eu penso que é possível concentrar-se na origem de várias ansiedades que parecem ter uma explicação sensata e compreensível, reconhecendo a possibilidade de que, de fato, derivam de uma experiência que não tem nada a ver com psicanálise, mas com psicanalisar”.

O conceito de capacidade negativa parece implicar numa exigência para que o psicanalista se torne _no mínimo_ competente no uso da linguagem interpretativa. Todavia, se considerarmos de forma radical a expressão de Keats, deveríamos, nos contentar se obtivermos a genialidade de Shakespeare. Se isso for correto obviamente é inequívoco dizer que estaremos muito longe dessa meta. Mas persiste a questão: pode um homem que não seja um poeta ou um escritor dar boas interpretações?

A pergunta parece sugerir que nós psicanalistas devemos buscar dizer algo para os pacientes que tem um valor poético, no sentido da força das palavras poéticas, que possuem durabilidade no tempo, e não se saturam com explicações e racionalismos.

Existem duas respostas para serem dadas: “sim” e “obviamente”.

Mas, antes do mais, vejamos aqui uma citação de Nietzsche: “Não é suficiente ter talento; devemos ter também permissão para usá-lo”. O sujeito pode ter talento para a psicanálise, mas precisa passar por uma formação visando apurar esse talento antes de ser permitido praticá-lo. Talvez essa seja uma questão moral, mas o fato é que simplesmente desejar ser um analista não garante que se possa, e o fato de poder ser não garante que se queira ser, ou que se deseje continuar sendo. Mas quem deve decidir sobre talento, competência, etc.? Quem deve ser o crítico que mostra a defasagem, digamos, entre talento e vocação? Precisamos de um crítico para decidir? Certamente que o talento para psicanálise se expressa em linguagem interpretativa, por isso a relevância da questão. Mas e o que dizer da capacidade para ficar em silêncio quando nos encontramos observando _como Freud apontou, numa carta para Lou Andreas Salomé_ lugares escuros e obscuros que necessitam da ação de cegar-se artificialmente.

Todavia, essa cegueira não é uma cegueira edípica, proveniente do que John Milton chamou de “Oedipal gloom” [9], mas o exercício da intuição cega em busca de um conceito que a ilumine.

O crítico é o único artista que depende inteiramente de outra forma de arte, o que significa que parte de seu trabalho é determinar a natureza deste relacionamento. Deveria o crítico da formação analítica ser um advogado? Um policial? Um curador? Um juiz? O secretário da Sociedade? Freud em muitos dos seus escritos se dirigia a um leitor crítico, por ele mesmo criado ou imaginado. Seria um crítico cético da psicanálise? Um conhecedor de que se tratava de uma profissão impossível, como o próprio Freud se referiu ao que fazia. Mas o que Freud fazia se a profissão que exercia era impossível?

As fontes da decisão de ser analista são inconscientes, e não existe no inconsciente um desejo de ser analista, mas uma vez a decisão é tomada ela se estabelece no espaço onde os analistas deveriam cultivar sua arte. Existe o espaço instituições, mas eis que por causa delas surgem os problemas. Muitos bastante complicados e cansativos.

Não existem entre os analistas quem de fato seja sucessor de Freud. Há muita coisa desconhecida em jogo na psicanálise, para que a história não seja falsa quando se insiste demais em genealogias e filiações. Kleinianos, freudianos, lacanianos, só indicam que havia muito que não se pode ensinar psicanálise. Ao se tornarem analistas, dentro dessas filiações, os filiados podem se tornar analfabetos funcionais da psicanálise. Certamente que hoje em dia é uma tarefa imensa abarcar todo conhecimento analítico que existe, mas não podemos nos dar por vencidos e isso torna nossa profissão ainda mais impossível, com uma ressalva, impossível de ser exercida como as outras.

Pensamos que é preciso sustentar que a psicanálise está dentro das pessoas como uma habilidade humana, um talento variável de indivíduo para indivíduo, e que pode ser aprendida se conseguir vir à tona e se desenvolver. Mas como empreender isso? Quais as condições mínimas necessárias para isso?

De qualquer forma, a psicanálise tem a ver com a verdade, ou melhor, tem que fazer a escolha de tolerar esse fato, e ao mesmo tempo escolher trabalhar com uma dimensão da verdade: a da palavra tenta exprimi-la. Todavia, antes do mais de qualquer palavra existe o pensar. E qualquer palavra que seja a palavra ela excede o campo da realidade e da exatidão.

A Verdade de que falamos é inefável, incognoscível e inatingível; sobre ela só temos a estrutura de linguagem e ficção, e se pode também afirmar que ela se distingue do saber.

Como então um analista pode dizer que é analista? O que ele faz? Será que ele é simplesmente o sujeito que analisa a transferência (como tantas e tantas vezes escutamos)?


Onde está a psicanálise? Ela é fornecida pelo analista? Ou a psicanálise_ como Bion nos propõe_ está dentro das pessoas como habilidade humana?


Se a segunda hipótese é verdadeira, então jamais se analisa diretamente a transferência; analisa-se o que acontece no campo da transferência. É preciso, de fato, evitar de denunciar a existência da transferência como algo que se não fosse o analista ela não seria noticiada. A transferência_ um relacionamento muito especial que faz parte de uma teoria_ serve de suporte ao discurso que se sustenta e que, ultrapassando o analista, remete a uma complexidade. Por isso, o que surge na análise é uma verdade que não pertence nem ao analisando e nem ao analista. Não se pode decidir sobre isso, apenas nomear esse espaço-tempo, como fez Bion, ao introduzir a noção de “O”, significando que existe um “Onthos” inacessível e uma “Opus” em andamento.


Para Bion, “O” é um fato que centraliza a análise, mas ao mesmo tempo pode gerar todo tipo de oposição e dificuldade a ela própria. Em poucas palavras, “O” exige que o analista seja capaz de tolerar os mistérios desse fenômeno, que tenha consciência da incompletude de suas palavras, e que admita a incerteza, sem ficar ansioso e tentar alcançar uma compreensão ou sentido para o que ocorre. Enfim, que tenha capacidade negativa.


Se o analista atingir esse estado, então ele pode, sem ser poeta, ter a experiência descrita na poesia de Rudyard Kypling, The way through the woods (A trilha na floresta);


Fecharam a trilha da floresta

Setenta anos atrás

Após muita chuva e ventania

Da trilha nada mais resta

Quem por último a vislumbrou

Foi o guarda florestal

Que das rolinhas a festa registrou

E o movimento dos texugos sua memória levou

Pois não existe mais uma trilha


Hoje, se alguém adentrar na floresta

Quando a tarde de verão está se esvaindo

E sentir a brisa que vem o lago refrescar

Para que trutas as lontras possam pescar

Os humanos elas não temem

Pois nunca viram tais seres estranhos


Então, você escutará o galope dos cavalos

As esporas e tecidos roçando os arbustos

Sons de avanço firme e atos robustos

Nos ermos enevoados

Passando pela trilha com precisão

Mas não existe trilha alguma


O Objeto Psicanalítico e o Princípio da Incerteza


Keats descobriu um Princípio da Incerteza que ele chamou de capacidade negativa

W.R.Bion, Memoir of the Future, volume I, pg. 220


Quais as relações do objeto psicanalítico com o Princípio da Incerteza [10] (Chuster, 2011,2014), e consequentemente, graças à afirmativa de Bion, com a capacidade negativa?


O Princípio, confere à psicanálise o status de objeto complexo, e nos leva a indagar sobre uma significativa mudança de paradigma. Essa mudança efetivamente existe em Bion, assim o entendemos, e assumimos que constitui um permanente desafio na renovação do nosso pensar.


Aplicado à psicanálise pode ser escrito em analogia com a fórmula de Heisenberg pela expressão:

△. A . △ P> I/L


Podemos traduzi-la da seguinte forma: a interação entre a configuração edípica do analista (A) e a configuração edípica do analisando (P), sempre contém muito mais elementos inconscientes (I) do que a linguagem (L) _ utilizada na sua tradução _ consegue expressar. Isso significa que nunca conseguimos observar o todo de uma relação, pois quando se escolhe algo para ser observado, ou quando se tenta colocar essa observação em linguagem, a cisão inerente ao ato deixa diversos elementos de fora. Daí a necessidade de trabalharmos com a noção de um objeto complexo. Ou seja, no sentido geral, existe sempre alguma coisa que foi excluída ou não-incluída na observação. Desta exclusão ou não inclusão depende nossas observações.


Do ponto de vista prático, ter em mente o Princípio de Incerteza evitará_ no mínimo_ a crença em uma interpretação completa, ou a mitologia de uma interpretação correta, ou a existência de uma interpretação que se pense resolutiva. Evita também o hábito de repetir interpretações, ou repeti-las simplesmente porque o analisando alega não tê-las entendido, e também de ter apenas uma interpretação para formular. Se essa última situação ocorre devemos suspeitar da interpretação e continuar observando. Quando surge outra, ou outras, podemos decidir melhor e, como pretendo especificar adiante, geralmente decidir pela mais difícil de ser dada.


Em outro sentido, existe sempre incerteza sobre a origem e a observação de qualquer fenômeno. Levar em conta a irrupção da incerteza significa dar ritmo ao mundo, e com isso expor uma diferença, e é desta forma que percebemos a importância de algo profundamente vinculado a nossa condição humana: o tempo [11].


Percebemos o tempo desde que expressivamente existe ritmo na vida humana. O ritmo, produz uma ruptura de continuidades, e ao mesmo tempo, produz uma continuidade. Percebemos com a existência do tempo uma cesura.


Quando a incerteza irrompe traz a surpresa do novo. Aquilo que poderia ocultar-se como algo já conhecido, pode se afirmar como um novo pensamento. Nesse movimento, o tempo é a nossa percepção de que o ser originário provém de uma origem inacessível que nunca cessa de existir, e como tal não se apresenta linearmente, mas segundo ritmos, diferenças, acasos. As cesuras produzidas afirmam a máxima potência do ser e não ser. O tempo traz dimensões não lineares para o limite de nossa percepção.


A questão se desdobra na percepção singular do tempo e sua influência na forma como podemos entender e conceber a formação de determinadas características mentais ou estados mentais. Isto é, por que determinadas concepções e conceitos são predominantes em uma pessoa e não em outra?


Isso pode significar investigar como distintas concepções e conceitos geram_ por conta da singularidade_ estilos de comunicação próprios, e como estes se alternam ou se substituem, computando suas sutilezas num campo de funções. Esta é uma diferença fundamental para pensarmos sobre as propostas de Bion.


O elemento primordial de uma investigação psicanalítica _ considerando-a como um campo de funções_ encontra-se na ação da função alfa. O termo alfa indica apenas a presença de incógnitas na investigação em curso do sistema aberto do objeto psicanalítico. Neste processo devemos manter a hipótese de uma falha da função sempre ocorrendo e, de fato, ela precisa ocorrer em algum grau para que haja um “acordar” (nascimento psíquico), e para que haja também a descoberta do corpo (por meio dos elementos beta). Assim o grau da falha determina caminhos distintos e singulares para esse acordar psíquico, e para a formação do conceito de corpo; alguns dos quais podem sofrer distorções_ maiores em certas pessoas do que em outras_ e que se expressam, em última instância, na visão de mundo trazida para o analista (juntamente com o grau de sofrimento psíquico que produzem).

Nos graus mais acentuados de falha, comparáveis a um desastre da função, já não se trata mais do despertar do sujeito e da percepção da existência do corpo, mas do apagamento do sujeito e da distorção do funcionamento corporal.


Colocando as afirmativas acima em um modelo espectral, temos concepções com graus de distorção em quatro níveis: do Self, da história, da percepção corporal, e do Outro (Não-Eu). Na prática, para fazer a conexão entre as concepções, dependemos da capacidade imaginativa. Ela pode traduzir as distorções conceituais e a dor psíquica que lhes é inerente.


Na formação de cada concepção existem duas áreas simultâneas, uma área onde ocorre o impacto da experiência estética (sentimentos + atividade sensorial) e outra área onde essa experiência estética adquire um valor ético (concepções e conceitos). Essa relação que podemos chamar de ético-estética é a experiência emocional. Ela se realiza quando um fato selecionado cria um conjunto de três elementos passíveis de serem teoricamente descritos e nomeados. Por exemplo: boca, mamilo, seio; boca, olhar, palavra; acolhimento físico, olhar, palavra, etc.


Também significa que mesmo no bebê, cujos processos de pensamento são em tese muito rudimentares, cada momento envolve julgamento e decisão relacionados com o fato selecionado. Essa “capacidade” de decisão e julgamento pode ser conhecida na observação como temperamento do bebê, e vai produzir também o que será conhecido como gênio do bebê. Este último engloba suas reações e decisões às inevitáveis falhas da reverie. A extensão dessas falhas vai continuar produzindo escolhas mais adequadas ou menos adequadas.


Por outro vértice, o resultado dessas relações pode também ser conhecido como superego, enquanto instância psíquica de mediação entre as duas áreas que se combinam para formar as concepções, mas também representando o que essas concepções permitem de mediação com a realidade e na escolha de fatos selecionados que produzem a repetição específica responsável pela formação de um conceito.


Neste ponto adotaremos um conceito espectral de superego: distintos tipos de superego de acordo com a incidência no espectro das concepções (espectro do narcisismo/social-ismo- Bion, 1962b).


Por exemplo, um dos graus mais extremos de incidência narcísica pode ser nomeado de superego assassino, e um grau máximo de incidência social-ista pode ser denominado de superego social. Entre um extremo e outro temos o aparecimento de diversas concepções e conceitos que resultam nos diversos quadros psíquicos que conhecemos.


Podemos também entender este processo como uma relação continente/ conteúdo cuja harmonia (K⇒O) vai sendo alterada pela ação de distintos tipos de superego [12]. Essa ação pode ser vista como um esmagamento do conteúdo, e se exterioriza pelo fenômeno conhecido como angústia. O esmagamento cria uma área de desarmonia entre continente e conteúdo. O esmagamento vai se tornando maior na medida que ao mecanismo da identificação projetiva vão se somando outros elementos. Em resumo, podemos dizer que o incremento do uso da identificação projetiva por elementos como intolerância a frustração, a existência do não-seio aumentando a frustração, a incompletude dos objetos edípicos, a violência das relações primitivas, a inveja espoliativa, a voracidade, a inveja destrutiva, todos vão ampliar a área de desarmonia na relação continente/conteúdo. Bion (1965) descreveu e observou estes fenômenos sob a égide da teoria das transformações [13].


Antes de prosseguirmos deve ficar claro que o fato selecionado fornece a experiência de tempo e espaço ao arcabouço da pré-concepção. Tempo gera causas, estabelece relações entre antes e depois, presente e futuro, passado e presente. O espaço indica unificação de elementos. A teoria lida com a relação entre tempo e espaço e elementos unificados por esta interação que dão a medida da profundidade da individualidade.





A ideia de um impulso moral em Bion entendemos com mais uma de suas expressões provocativas do pensar, e que seria possível somente pelo vértice da complexidade. O vértice do determinismo a colocaria como impossibilidade. A expressão traduz a moldura humana, ou seja, a configuração edípica, a regra básica, ou a moral fundamental inata que rege o jogo humano. Trata-se de um impulso no sentido de que não podemos escapar desta regra moral, ou deste elemento que emana daquilo que nos é inato, porém ainda incompleto em sua natureza. Um quadro em evolução e que tem por isso mesmo suas habituais e constantes involuções, algumas muito assustadoras.


Eu também disse “interno ou externo”, que introduz uma outra teoria sobre o que não é “interno ou externo”. Essas coisas são aplicáveis, mas derivam do espaço tal como o conhecemos, mas qual é o relacionamento que elas nos lembram, eu não sei dizer. A mente tem um limite interno ou externo? Onde fica? Esses pontos não são realmente importantes, comumente falando, mas quando começamos a lidar com pacientes perturbados que estão se aproximando do limite, ou o que chamamos de pacientes borderline (limítrofes), então eu penso que esses pontos se tornam importantes, você pode saber se há limites ou limitações para a mente ou seja lá o que pensamos com que que estamos lidando”.


Observação psicanalítica, complexidade e capacidade negativa.


Eu disse que nunca sugeria esse caminho a um analista, e que devemos ser cautelosos, mantendo uma visão cética, especialmente nessa minha proposta de suprimir memória e desejo, ou se livrar desses elementos, pois acho que na sua forma mais radical esse ato se aproxima do que o psicótico faz, na sua tentativa de se defender dos estímulos do mundo real. Ele prefere destruir a sua estabilidade para não ter contato com estímulos do mundo real, e este ato o faz mergulhar em um contexto que é intenso demais para suportar aquilo que habitualmente chamamos de inconsciente. Por isso eu penso que este procedimento_ tal como o chamo_ deve ser usado com cautela; acho que deve ser usado apenas por pessoas que são analisadas e que não sejam apressadas. E que também assumem que vão encontrar repercussões dessa atitude, e que tem uma qualidade desagradável. No passado, ao falar sobre isso, encontrei pessoas que pensavam ser um procedimento fácil, e que tudo que eu conseguia era esquecer meu trabalho. Não é assim. Não é nada disso. Trata-se de uma disciplina difícil e desagradável. E permanece sendo assim por muito tempo, ou talvez sempre, e para sempre. Em resumo, o que chamo a atenção é a importância desse estado que denomino de capacidade negativa; na verdade não um estado, mas uma característica. Penso que ele poderia ser útil para a seleção de pessoas para a formação analítica, e desta em diante. Se alguém puder encontrar uma maneira pela qual se possa avaliar a capacidade negativa de um indivíduo, então eu acho que isso poderia ajudar nessa tarefa de ajudar alguém a ser psicanalista. E devo dizer que é muito importante, pois minha experiência com análise permite dizer que é uma tarefa muito difícil; não é algo que se possa fazer facilmente, mesmo que acreditem em experiência de vida. Todavia, em última instância, não tem como não ser difícil, mesmo para uma pessoa que está preparada para conviver com pacientes hora após hora. ”


O desenvolvimento da capacidade negativa nos torna capazes de observar simultaneamente todos aspectos do objeto psicanalítico: as incertezas correspondem à pré-concepção, as meias-verdades correspondem às concepções do espectro narcisismo/social-ismo, e os mistérios aos fatores inerentes à complexidade.

Observemos neste contexto um dos aspectos muito específicos do objeto psicanalítico, o movimento de Realização que transforma uma pré-concepção em concepção.


Em diversos trabalhos, Chuster (2011,2012, 2014) procurou destacar e estudar as duas etapas deste processo. Estabeleceu um campo de funções específico de cada uma delas, e enfatizou o quão este processo é a base constante da vida mental.


A mente embrionária, termo que define a primeira etapa da Realização, nunca nasce por completo. Existem partes que ficam aguardando uma mente futura capaz de lhes dar condições de nascimento _ esta é uma característica do humano. Quando nascem podem ser pensamentos sem pensador, pensamentos selvagens, pensamentos desgarrados, ou até mesmo pensamentos com proprietário reconhecido.


As duas etapas da Realização ficaram bem evidentes nos últimos trabalhos de Bion: Cesura (1975) e os Four Papers [14] (1976, 1979). Estes trabalhos destacam a Cesura entre uma etapa pré-natal (Bion, 1975, 1977a, 1977b, 1977c), e uma etapa pós-natal. Estas etapas se relacionam ao longo de toda a existência através da função alfa, e podem ser investigadas a partir daquilo que nos primórdios da vida psíquica é realizado pela reverie materna.


Ou seja, postula-se um espectro que se inicia com a reverie materna, que vai se complexizando ao longo da vida com a função alfa. A diferença entre as duas é de certa forma óbvia: a reverie é predominantemente sensorial e a função alfa predominantemente simbólica. Ambas são funções de extrema complexidade [15]. Não podemos estuda-las de forma simplista, nem capturá-las com conceitos saturados.


Na etapa embrionária ou pré-natal Chuster (2014, 2017) postula como teoria geral uma combinação de conjuntos infinitos de alta intensidade sensorial que formam a moldura tridimensional da pré-concepção. O tipo de combinação destes conjuntos irá influenciar no tipo de falha que pode ocorrer com a reverie e, posteriormente, com a função alfa [16]. Essa falha irá determinar os tipos de concepções e conceitos dominantes no psiquismo pós-natal [17]. São esses estados mentais dominantes que equivocadamente podem ser transformados em diagnósticos de inspiração psiquiátrica. Penso que nós psicanalistas podemos pensar de outra forma, e devemos fazer isso em nome da liberdade de pensar psicanalítica.


Em síntese, na primeira etapa da Realização, conjuntos infinitos de alta intensidade sensorial se combinam, e se repetem, criando molduras psíquicas que irão influenciar após o nascimento, de forma distinta para cada indivíduo, o tipo de configuração alcançado pelos conjuntos da segunda etapa.


Podemos até reconhecê-los na segunda etapa, através da observação de estados mentais predominantes, mas como e por que se combinam na primeira etapa é impossível de se observar. Nesse sentido é coerente nos referirmos, como fez Bion, ao domínio do inacessível: um estado mental que permanece atuante ao longo da vida juntamente com o inconsciente e o consciente. Talvez, no futuro possamos observar diretamente o que nele acontece, prevenindo assim uma série de problemas que podem ocorrer. Mas no momento manteremos essa hipótese como ficção científica.


Em diversos trabalhos, Chuster (2011,2012,2014,2017) se refere ao inacessível e, ao meio pré-natal, propondo um mecanismo mais primitivo do que a identificação projetiva. Este mecanismo seria o responsável pela combinação na mente embrionária dos conjuntos de alta intensidade sensorial. Tal mecanismo de combinação funcionaria como os “atratores estranhos” [18] da Física, apontando direções onde uma possível organização poderia surgir. O modelo da força eletrofraca que aponta simetrias ocultas para a matéria se desenvolver serve como analogia para os acontecimentos. Chuster denomina este mecanismo de imaginação radical, tomando emprestado as ideias de Castoriadis (1990). O mecanismo refere-se aos ritmos corporais na interação intrauterina entre o feto e a mãe, e a influência nesta interação dos ritmos sociais.


O termo identificação projetiva aplica-se apenas no nível da comunicação básica e rudimentar da vida pós-natal.


Os conceitos, ou pensamentos que permitem a relação com os outros, de acordo com Bion (1962a, 1962b) são formados pela repetição das concepções (ressaltando que não se trata de compulsão a repetição freudiana, mas de repetição complexa, a formação de uma conjunção constante nas experiências, onde sempre existe um elemento novo em cada movimento. Podemos representar esse movimento com uma imagem em espiral).


Os conceitos e concepções se estabelecem a partir da barreira de contato e sua função é a negociação entre consciente e inconsciente, mas também é um fornecedor de fatos selecionados específicos para a negociação entre as posições PS<->D (a seta implica na simultaneidade espaço-temporal das posições esquizo-paranóide e depressiva) que aparece nas demais negociações tais como Eu/Não-Eu, mundo externo/interno, continente/conteúdo, masculino/feminino, Eu/Outro etc.


As concepções e os conceitos possuem em si mesmos uma função alfa específica e exclusiva do seu funcionamento, pois é o resultado da experiência emocional que digeriu de forma singular as experiências proporcionadas pelo fato selecionado correspondente. O fato selecionado realiza uma determinada combinação ou agregação de conjuntos de alta intensidade sensorial, embora, ele por si mesmo, não seja apenas sensorial.


Temos então o seguinte espectro:


Conjuntos de alta intensidade sensorial ⇒ imaginação radical ⇒ pré-concepção vazia ⇒ reverie/função alfa ⇒ ato selecionado ⇒ concepções ⇒ conceitos.


A combinação pré-natal de conjuntos entra em contato com a reverie: a complexa capacidade de linguagem amorosa da mente materna. Destaco nesta capacidade o olhar amoroso (entrada em ação do conjunto visual) e a ternura da palavra (palavra bem sucedida) completando os cuidados necessários que fornecem a paisagem inicial da janela. Essa paisagem adquire elementos próprios do indivíduo (singularidade) de onde surge progressivamente a sua própria visão de mundo. Trata-se da relação continente/conteúdo que se desdobra infinitamente. O bebê que foi contido pelo continente uterino, ao nascer tem que conter a mãe, que por sua vez tem que conter o bebê nascido e que irá conter a mãe que o conteve, e assim infinitamente. Nesse processo vão entrando outros elementos, como o pai, outros personagens do ambiente, a família, a sociedade de uma forma geral, e como pano de fundo os aspectos criativos e negativos da sociedade.


A janela triangular representa a característica edípica inseparável do ser humano, não só como um drama infantil de formação, mas como o trágico que constitui a impossibilidade de não ser um ente tridimensional e social. Por esta razão, defendo a tese de que toda pré-concepção é edípica. Não considero que exista o humano fora do edípico. Tal afirmação pode soar radical e não contestarei se tal rótulo for dado por contrariar as teorias que falam de uma existência pré-edípica. Não penso que exista o humano fora do mental e o mental é sinônimo de edípico. O pré-edípico não é humano.


A teoria dos conjuntos infinitos implícita no conceito de Realização, também contempla a questão trágica da busca incessante de uma verdade inacessível; uma busca inesgotável da qual depende toda a criatividade humana. Trata-se não da verdade em si, mas da complexidade que o termo representa: algo insolúvel, inalcançável, e paradoxal. A busca da Verdade se expande em infinitos conjuntos nas mais diversas atividades humanas.


Mais uma vez enfatizamos que os termos, pré-natal e pós-natal são, sobretudo, metáforas do processo criativo da mente, única saída possível nossas vidas centradas nessa trágica essência inefável, inacessível, e incognoscível, que é a verdade. A verdade como uma representação da complexidade humana. O solo da criação humana.


O Princípio da Incerteza e o desenvolvimento de novos espaços para pensar


A aplicação do princípio da Incerteza na compreensão do conceito de Realização implica na aplicação da epistemologia das estruturas matemáticas não-lineares para o campo de observação. Um exemplo disso é o espaço de Hilbert [19], que trata de sucessões infinitas e da escolha de operadores sobre este espaço.


O espaço de Hilbert é uma generalização do espaço euclidiano que não precisa estar restrito a um número finito de dimensões. Trata-se de um espaço vetorial dotado de produto interno, ou seja, com noções de distância (que no pensar psicanalítico correspondo à observação da intensidade da identificação projetiva) e ângulos (que correspondo à teoria de múltiplos vértices). Quando Bion (1965) propõe uma mente representada por pontos, linhas, curvas, hipérboles, etc., ele está trabalhando com um espaço de Hilbert. Esse pensar possibilita confirmar a tese de que em psicanálise necessitamos trabalhar com transformações.


É conveniente postular a existência de uma mente representada inteiramente por pontos, posições de objetos, lugares onde alguma coisa costumava estar, ou estaria em alguma data futura. Objetos percebidos no espaço contribuem para a transformação desses elementos (análogos a (x) ou não coisas específicas)".


No trabalho de observação com a metodologia das transformações aparece a necessidade de uma representação mental vetorial que obrigatoriamente envolve funções. Por sua vez, uma análise funcional pode ser feita com uma base no estudo das transformações em espaços não restritos e não lineares. Em matemática essa premissa é denominada pela Transformada de

Fourier e remete ao estudo de equações diferenciais e equações integrais. O termo funcional, por sua vez, remete sempre ao estudo das variações.


No caso da psicanálise vamos por analogia escrevê-la da seguinte forma:


T = f(α) . ∫ i/v . (a, p) = K-⇒O


A formulação significa: Transformação analítica = função alfa aplicada na integração das variáveis e invariantes do campo formado pela relação analista/paciente, e que tem como possibilidade de resultado uma transformação de K em direção à O (uma transformação analítica que habilita uma transformação em O).


Mais uma vez, o objetivo de um pensar como este é enfatizar a complexidade das operações mentais do campo analítico usando o recurso visual da fórmula abstrata, mas que tem por base a característica onírica e imaginativa: produzir um pensamento selvagem.


O modelo pode também ser visto como um modelo holográfico, significando que cada uma de suas partes pode ser usada para reconstruir o todo. O todo está presente em cada parte, e podemos utilizar diversos planos mentais.


Como tentativa de ampliar o esclarecimento das assertivas acima, e se fosse possível dar um exemplo do uso de objeto simples, como termo de comparação com o objeto complexo, mesmo sabendo que qualquer comparação é inadequada, penso que posso encontrá-lo no sistema da Psicologia do Ego. Trata-se de uma teoria que centraliza o indivíduo em torno de um núcleo de identificação no Ego. Todavia, certamente que o indivíduo não se organiza de forma simplista em torno do Ego, mesmo que o Ego não fosse uma ficção e tivesse existência real. Aqui encontramos mais uma nítida situação onde a ontologia não acompanha a epistemologia, gerando um achatamento de imagens e não uma holografia.


Apesar de tudo que Freud afirmou sobre o Ego como ficção, parece que a Psicologia do Ego acredita em sua existência real. Porém, o Inconsciente não é o Ego, mas um sistema do tornar-se humano. O humano se organiza em uma multiplicidade de vértices que partem da pré-concepção, e que é algo relacionado com o futuro da espécie, totalmente indeterminada, sem possibilidade de haver qualquer centralização, exceto na teoria quando sistematiza o aparelho psíquico tomando como base alguma premissa.


A pré-concepção, como um exemplo de conceito regido pela complexidade, ou parte de um objeto complexo, envolve um desdobramento num espectro de possibilidades (concepções). A visão da complexidade sobre a criação de toda concepção mostra que tudo se altera a cada momento e a cada movimento.


Outro exemplo de complexidade é a relação continente/conteúdo que pode ser vista como parte de um sistema de observação infinitesimal gerado pelo princípio da Incerteza. Essa relação foi colocada por Bion com os sinais: ♀ ♂ A seta de direção dupla indica que continente e conteúdo existem em tempo e posição de simultaneidade, e que a troca entre ambos é constante. São elementos da psicanálise que se encontram em simetria.


Através dessa compreensão é possível tratar uma série de problemas por outros vértices. Em primeiro lugar, a seta de dupla direção instala uma separação e uma continuidade. Também indica que existe algo além visível (cesura). O espaço entre os dois elementos pode então ser visto de várias formas: além do obvio indicativo da relação entre feminino e masculino, indica também, Eu e Outro, boca e seio, mãe e bebê, indivíduo e grupo, grupo e sociedade, etc. As possibilidades são ilimitadas.


Para observarmos as alterações do espaço entre os elementos podemos empregar um operador que é a intensidade da identificação projetiva. Como já foi dito, essa intensidade determina os diversos tipos de distorções espaciais perceptivas em cada tipo de transformação. No seu todo, podemos averiguar como esse espaço, que pode ser considerado como o berço da ética, e de todo o alimento psíquico (a verdade) de que a ética necessita para manter-se viva, pode ser alterado, causando dificuldades no valor precioso que é a responsabilidade nas escolhas.


Quando nos deparamos com um caso em que a intensidade da identificação projetiva é excessiva, a experiência mostra que são necessários muitos anos para através da análise ajudar uma pessoa a sair deste quadro _ que traduz um estado de sobrevivência psíquica crítica. Quando se consegue isso existe ainda todo o curso da análise pela frente, que a qualidade e a estabilidade dos conceitos de vida. Portanto, envolve uma multiplicidade de fatores como a qualidade das relações, determinante de fatores como a saúde física, a manutenção da sanidade mental a longo prazo, a produtividade, a capacidade de viver com os demais, e a curiosidade combatendo a senilidade.


Na base do processo de aquisição de qualidade, seguindo a observação do encontro primordial entre as mentes ser feito pela identificação projetiva (que podemos chamar de palavra fundamental), verificamos que ele depende da integração feita pelo ato de reverie/função alfa. Assim, na análise a palavra não é simplesmente uma abstração, mas um estado específico da linguagem derivado de transformações. A potência intrínseca da palavra, deriva, portanto, da capacidade de integração da reverie/função alfa, e daí pode ser veículo do pensamento que atesta o encontro das mentes.


Mais adiante veremos como a relativa supremacia da construção psicanalítica sobre a interpretação, e que constitui a base da simetria, advém do processo de integração descrito acima. Pois a construção conta uma “história” (“espectraliza”), ao invés de falar pontualmente sobre uma “observação”. A história favorece que os elementos da psicanálise sejam aglutinados como um sistema afetivo não saturado e causal ao invés de uma simples justaposição [20].


A história produzida e apresentada como construção deve indicar que estamos em busca de uma singularidade, um ponto onde o indivíduo possa se reconhecer como sendo ele mesmo e mais ninguém. Este é o resultado da Transformada psicanalítica.


Pelo vértice da palavra, a Transformada psicanalítica precisa alcançar a Linguagem de Êxito (Bion, 1970), isto é, uma linguagem que permita que a palavra seja tanto uma ação como um prelúdio para a ação. Não se trata com isso de alcançar uma linguagem sofisticada e elaborada _ como conseguem os poetas e artistas _ mas de alcançar a melhor expressão de uma transformação em curso. Podemos chama-la de palavra bem sucedida quanto a sua proposição, que deve ser, sobretudo, a palavra que comemora o advento do Ser; e que é sempre um tornar-se.


A linguagem de Êxito traduz também o que podemos chamar de prerrogativa psicanalítica dos detalhes “insignificantes” e os afetos a eles relacionados. Eles são a marca de uma verdade inarticulável, que se imprime na superfície de toda expressão como singularidade e desarma toda lógica de história bem composta, ou de composição racional dos elementos.


Podemos colocar as ideias acima numa grade aperfeiçoada, usando o sistema infinitesimal como modelo, ou seja, considerando tanto o diferencial dos elementos usados quanto o vetorial das funções desses elementos. Bion usou essa articulação propondo dois eixos, desenvolvimento versus uso, na construção da Grade. Os dois eixos também correspondem ao cotejamento dentro de um campo entre epistemologia e ontologia.


Essa afirmativa visa centralizar a discussão que enfoca as realizações da pré-concepção, em distintos níveis de possibilidades que estão convivendo, evoluindo, ou involuindo, de acordo com a influência da complexidade e da ação da função alfa nas concepções do espectro:





No próximo capítulo enfocaremos o conceito de fato selecionado e seu papel nas oscilações que ocorrem nesse espectro. Recordarei agora apenas as características das polaridades desse espectro.


Parte Não Psicótica


a) Consegue tolerar frustração, portanto, tem consciência de temporalidade.

b) Consegue ter culpa e depressão, portanto, ter capacidade de admitir a causalidade e, daí, responsabilidade.

c) Capacidade de verbalização.

d) Uso comum do senso comum.


A parte não psicótica pode ser comparada a um artefato de navegação, que utiliza um horizonte artificial para registrar e comunicar parâmetros (vínculo K). Através do horizonte é possível perceber desvios pela comparação do parâmetro invariável com o parâmetro variável, e corrigir desvios quando eles começam a ocorrer provocando perigo ou instabilidade.


Outras características da parte não psicótica são a generalização decrescente_ que promove particularização crescente – e a manutenção de afetividades que se integram sincronicamente com pensamento, ação e linguagem. O navegador permite usar critérios como o bom senso, que traz a capacidade de não exceder certos limites, sabendo que se o fizer um desastre pode ocorrer. Em outras palavras, podemos chamar isso de prudência na ação ou previsão voltada para a ação. Essa terminologia faz parte de um dos três princípios de vida descritos por Bion, em substituição aos dois princípios de funcionamento mental de Freud (1979).


Parte Psicótica


a) Intolerância a frustração causando dor psíquica intensa, perdendo a consciência da temporalidade.

b) Ódio às realidades interna e externa e ataque ao aparelho que faz a ligação entre elas (o aparelho para pensar). Não admissão de causalidades, portanto, eliminação da responsabilidade.

c) Transformação do Amor em sadismo.

d) Medo de aniquilamento iminente e perda da capacidade de verbalização.

e) Formação de relações precipitadas e frágeis com uso incomum do senso comum.


Outras características são a generalização crescente e a perda da particularização até o ponto que a causa torna-se um fenômeno que não tem realização correspondente. Quando se rompe a integração entre os domínios da ontologia e da epistemologia, as causas se transformam em crenças, que ficam baseadas em sentimentos superficiais e aparências, criando uma cruel justaposição de objetos. Esse fenômeno se estende na falta de vida dos objetos psíquicos decorrentes do ataque à capacidade para pensar, e que vem a ser um ataque à capacidade de trazer objetos para a realidade interna dando-lhes vida. A recusa da parte psicótica desses objetos externos, produz as situações extremas que são descritas na clínica com os indivíduos aparentando e agindo como um morto-vivo. Não podem dormir e nem estar acordados, não podem ser e nem deixar de ser, não podem pensar e não podem deixar de ter pensamentos. Não podem, em suma, fazer trocas simbólicas que representem a capacidade imaginativa. Uma ideia imaginativa torna-se indistinguível de uma alucinação.


Por outro vértice, essa superficialidade das relações (descritas por Bion (1956) como frágeis e precipitadas, ou seja, voláteis) decorre dessa deficiência de troca entre os símbolos da cultura (heterônomos) e os símbolos autônomos (realidade interna) como produto da ação da função alfa sobre tudo que é trazido para a realidade interna.


Seguindo a teoria das transformações podemos visualizar a existência de um espectro que vai da superficialidade à intimidade com graus de autonomia correspondentes. Quanto mais superficialidade maior é a perda de autonomia. O mesmo seria válido se quiséssemos utilizar o espectro do objeto psicanalítico que vai da polaridade do narcisismo ao social-ismo.





Vicissitudes da capacidade negativa na percepção do objeto psicanalítico


Eu acho que como psicanalistas estamos tão acostumados a ver coisas que não são comuns, que acabamos esquecendo o tamanho do problema que trazem: a dimensão do problema que teremos que ver amanhã. Além disso, com respeito a este jogo particular, eu gostaria de sugerir que esse tipo de jogo seja uma versão sofisticada do jogo infantil, que podemos explorar para exercício de nossa imaginação, ou fazer o que uma criança faz. Sugiro que esteja relacionado aos propósitos do analista. A questão é sobre a sessão de amanhã”.


O objeto psicanalítico _ pelo vértice epistemológico _ é o objeto da psicanálise em Bion, ou seja, o paradigma básico do desenvolvimento teórico-clínico de sua obra.

Como os demais objetos da psicanálise, formulados por outros autores, o objeto psicanalítico estabelece o modelo e o campo da singularidade do analista W.R. Bion. Trata-se da expressão de como e em que material o analista dirige sua escuta, e de que forma nelas constrói e aplica suas interpretações. Em outras palavras, trata-se dos modelos ou das teorias pelas quais o analista concebe e constrói o seu entendimento da transferência, enquanto mantém um referencial crítico para suas interpretações deste fenômeno. Em última instância, trata-se da ligação entre teoria e prática, ou da circularidade entre abstração, modelo, teoria, interpretação, prática, avaliação crítica.


Entretanto, cabe assinalar que toda singularidade leva a divergências, e muitas vezes temos que indagar _por conta da existência de tantas_ o que torna possível a psicanálise? A própria realidade do inconsciente é a causa principal destas divergências, tanto por conta de sua real inacessibilidade, como na forma como essa inacessibilidade é construída pelas teorias pessoais. Por isso existem diferenças no método de investigação, o que nos leva a indagar qual seria, portanto, a diferença em Bion?


Podemos tentar começar a responder essa questão através da fórmula do objeto psicanalítico escrita em caracteres matemáticos: {ψ (ξ) (±Y) M} no capítulo 22 de Aprender da Experiência (1962b).


A abstração matemática é categoricamente coerente com a proposta da Teoria do Pensar de Bion (1962a). Recordemos que ele coloca a relação entre a psicanálise (a resposta prática) e a filosofia (questões da vida), como sendo da mesma ordem que existe entre a matemática pura e a matemática aplicada, ou seja, a psicanálise precisa ter um campo definido por princípios epistemológicos que o protejam da interferência de hábitos e crenças. Tais hábitos e crenças promovem costumeiramente discussões sobre ontologia como se a metáfora e o mito fossem reais. Ontologia sem epistemologia, ao invés de abrir, fecha o espaço da investigação.


A proposta epistemológica básica implícita na formulação matemática é a de não saturar a investigação com significados usando para isso uma escrita com alto grau de abstração. Os significados podem ou não surgir através da prática. Trata-se de significados que se adquirem com a experiência. Não existe um a priori para os significados do objeto psicanalítico.


Podemos traduzir a abstração da fórmula da seguinte maneira: a pré-concepção ψ (ξ) busca uma realização (R) que dê a luz a uma concepção no espectro de possibilidades que vai do –Y (narcisismo) ao +Y (social-ismo) sob a égide constante da complexidade (M) inerente a um organismo biológico.


O seguinte esquema gráfico pode fornecer uma visão da tridimensionalidade do modelo:





Quando aplicamos a expressão capacidade negativa à formula do objeto psicanalítico podemos verificar que cada um dos seus componentes se correspondem.


A pré-concepção corresponde ao mistério, o espectro narcisismo-social-ismo às meias-verdades, e a complexidade à Incerteza. Uma organização das vicissitudes práticas destas correspondências pode ser feita por analogia com a Grade de Bion.

A Grade de Bion tem a vantagem de permitir uma visão do campo analítico a posteriori da sessão. Essa visão tem como um dos seus objetivos principais desenvolver a capacidade imaginativa do analista na criação de hipóteses interpretativas que poderão ser usadas no futuro. Assim, de certo modo singular, o analista não se preocupa apenas com o que está acontecendo no aqui e agora da sessão, mas com o futuro do campo daquela relação.

Como as demais teorias de Bion_ que trazem a marca das teorias edípicas ampliadas_ a Grade é também uma forma de organizar hipóteses sobre a teoria edípica. Como mostrou Chuster (2001,2014), o eixo horizontal descreve passos da trajetória edípica e podemos articulá-los com a percepção do objeto psicanalítico. Quando fazemos isso estamos exercendo uma crítica sobre o trabalho transcorrido verificando o referencial que foi utilizado. O referencial em Bion é o objeto psicanalítico.


A Hipótese definitória, como Chuster (2001, 2014) mostrou, corresponde ao Oráculo de Delfos. Os elementos que podemos reconhecer e destacar, além da arrogância, são a busca de uma solução para um problema de identidade, a resposta por informação cruel (meia-verdade saturada) que corresponde a uma boa mentira, a decisão catastrófica do caminho escolhido causada por essa meia-verdade, e a intimidação pelo grito (terrorismo). Podemos então perceber que existe exclusão da capacidade negativa dos elementos incerteza e mistério. Ou em outro sentido, a arrogância do Oráculo introduz a certeza e mata a curiosidade, produzindo escolhas destrutivas. O objetivo do analista que usa a capacidade negativa é conseguir formular uma pergunta incômoda ao seu paciente, pois essa pergunta vai conectá-lo à sessão de amanhã, que está em aberto, ao invés de sair com a sensação que resolveu algo.


Em seguida temos a coluna Ψ que corresponde a ação de Tirésias. Usando o vértice da arrogância, podemos reconhecer no personagem a recusa da verdade tal como ela se apresenta, a crueldade é mais sutil pela tentativa de silenciamento e sedução, e a transformação do mistério em Hubris. Deste modo, se exclui as meias-verdades e a incerteza da capacidade negativa.


Na coluna correspondente à Notação podemos discernir a encruzilhada da História, onde ocorre a intimidação pela força do poder, seja ele físico ou por atributos sociais; a luta de gerações corresponde ao embate que ocorre e onde a fúria impede a escuta. A fúria leva ao assassinato e colapso total de acordos. A incerteza se transforma pelo poder da força em certeza estabelecida, excluindo-se então as meias-verdades e o mistério. Em outras palavras, ao invés de conhecimento da história temos a luta de gerações. Há uma ruptura cruel por conta das diferenças, cujo conhecimento é recusado pelo confronto.


Na coluna Atenção podemos identificar o papel da Esfinge, onde enfoca-se um fato selecionado que é um enigma a ser decifrado, mas ocorre o colapso provocado pela incapacidade de suportar a resposta; exclui-se também a incerteza e as meias-verdades, prevalece a força do mistério que se transforma em morte da curiosidade.


Na coluna Indagação, que corresponde ao personagem Édipo por si mesmo, aparece a obstinação em descobrir o que todos tentaram dizer que era melhor não-saber. Ao invés da indagação científica se manter preservando simultaneamente os três elementos do objeto psicanalítico, ela se transforma em tragédia do Saber, cegueira, exílio, para o qual arrasta outras pessoas (no caso Jocasta- sacrifício da feminilidade).


Podemos colocar o que foi dito acima no seguinte esquema gráfico:


Oráculo exclui do objeto psicanalítico: Ψ (έ) e (μ)

Tirésias exclui os mesmos elementos.

Encruzilhada exclui ± Y e (μ)

Esfinge exclui ±Y e Ψ (έ)

Édipo inclui todos na indagação científica e exclui todos pelo vértice da arrogância.

As consequências destas exclusões podem ser reservadas para a coluna Ação, sendo que em resumo podemos dizer que se trata_ em última instância_ de um espectro onde temos num extremo um saber para tornar-se (transformação em O) e, no outro extremo, um saber para fugir de si mesmo (transformação em alucinose). Sendo as demais transformações possibilidades intermediárias destes extremos.


E aqui eu gostaria de ler um trecho de uma correspondência de Freud para Lou Andreas Salomé. Uma carta de 25 de maio de 1916. A passagem que desejo ler é a seguinte: Eu sei que escrevendo tenho que me cegar artificialmente para poder focar toda a luz em um ponto escuro, renunciando à coesão, harmonia, efeitos edificantes, e tudo aquilo que chamamos de elemento simbólico, assustado, como estou, com a experiência de qualquer reivindicação, qualquer expectativa carrega dentro o perigo de destruir a verdade, apesar de podê-la embelezar”.


Serendipidade e capacidade negativa


Bion: “ Temos uma outra questão: as pessoas muitas vezes reclamam que eu não dou exemplos clínicos. Então essa noite eu quero tomar como exemplo clinico a sessão que vocês vão ter com seus pacientes amanhã. Considerar uma sessão que ainda não aconteceu, o que significa que todos começaremos de maneira imparcial. Digo isso como uma questão cujo intento é concentrar a atenção num ponto, e considerar simplesmente no momento como uma espécie de prelúdio para a sessão.

Uma das razões pelas quais gostaria de fazer isso é porque acho que algumas dificuldades são criadas (as quais nem sempre reconhecemos) pelo fato de termos que usar um método de comunicação muito inadequado entre nós. Eu não acho que esse método seja inadequado quando se trata do paciente. Porque quando uma interpretação é dada o paciente tem uma chance de saber do que estamos falando e, portanto, há sempre uma possibilidade de que ele possa usar o que dissemos em uma de suas conversas cotidianas, o que é exatamente o que podemos usar no momento que processamos essa comunicação. Ele tem então uma chance de fazer uma comparação com o que realmente está ocorrendo”.

O termo Serendipidade (Serendipity em inglês) foi criado em 1754 pelo escritor inglês Horace Walpole, no livro Travels and Adventures of Three Princes of Serendip, para significar algo encontrado de forma agradavelmente inesperada, e que acrescenta substância à nossa sabedoria de forma transformadora. Somos outros, depois do achado.

Todavia, a palavra descreve um processo que é intrinsicamente ambíguo. O quanto de sorte existe na Serendipidade? E o quanto ela depende das habilidades do pesquisador?

Walpole _ ao descrever como os três príncipes deduzem que o estado da grama numa estrada foi devido a um camelo com olho direito ruim que passou comendo no lado da estrada que lhe era mais visível_ certamente falava de sagacidade dedutiva e não sobre um “ feliz incidente”, noção que Walpole também quis investir no significado da palavra.

Enquanto Walpole busca desenvolver uma história de detetive, captando padrões, ele também escreveu numa carta [21] _ onde a palavra serendipity foi criada_ ao literato inglês Horace Mann, sobre o hábito de usar a Sortes Virgillianae, que era uma forma popular de profecia na Antiguidade, que chegou até mesmo na Renascença, e que era feita pela colocação de uma pergunta, e logo em seguida abria-se a Eneida em uma página ao acaso, colocava-se o dedo numa linha, também ao acaso, e daí encontrava-se uma resposta vinda do verso que o dedo apontava. Virgílio, por essa razão, foi lido como uma espécie de profeta da pré-cristandade e seu texto tomado como um guia de inspiração até a nossa atualidade. Bion vai mencioná-lo usando o trecho da Morte de Palinurus como expressão_ através da linguagem literária e mitológica_ das vicissitudes da técnica analítica.

O jogo profético, mais do que uma fonte do texto de Walpole, engloba a ambiguidade do termo: Seria Deus que guia o pesquisador no encontro da palavra chave? Ou será que o autor está divinamente inspirado como porta-voz de um achado? Será que todo crédito deve ser dado a uma mente preparada que por isso encontra o verso escolhido “ao acaso”? Ou é a descoberta de algo que verdadeiramente faz o vínculo entre passado e presente, uma espécie de “sessão espírita” na qual o natural e o sobrenatural se mesclam?

A sortes Virgillianae foi sendo substituída pela Sortes Biblicae ainda em uso na atualidade por muitas pessoas religiosas, que começam o seu dia abrindo uma página da Bíblia ao acaso e ali encontrando vestígios e significados sobre o que poderia ocorrer durante seu dia. Mas também podemos começar o dia abrindo um livro de Freud que misteriosamente nos atrai?

Um famoso exemplo da Sortes Biblicae pode ser encontrado no livro das Confissões de Santo Agostinho [22]. Tendo lutado sem tréguas para encontrar a Fé, o atormentado Agostinho escuta crianças cantando o que ele entende como “tollo legge” (ache e leia), e que lembra a conversão de Santo Antônio (convertido pela escolha ao acaso de Mateus 19:21). Agostinho joga a sortes Biblicae e se detém em Romanos 13:13, e após a leitura, ele se converte).

Walpole escreveu: “Quando eu encontro tudo que desejo, chamo isso de sortes Walpolianae. Esta descoberta é tudo o que chamo de Serendipidade, uma palavra muito expressiva, que, como não tenho nada melhor para lhe dizer, vou tentar explicar: você a entenderá melhor pela derivação do que pela definição. Certa vez eu li um conto de fadas muito ingênuo, chamado os Três Príncipes do Serendip: enquanto suas altezas viajavam, eles estava sempre fazendo descobertas, por acidentes e sagacidade, de coisas que não estavam em busca: por exemplo, um deles descobriu que uma mula estava cega do olho direito porque a grama da estrada estava comida apenas do lado esquerdo...uma das mais notáveis características dessa sagacidade acidental (pois você encontra algo que não está procurando) foi de Lorde Shaftsbury na casa de Lorde Clarendon. Ele descobriu que o Lorde estava para se casar com a Srta. Hyde pelo respeito reverencial com que a mãe do Lorde a tratava durante o jantar”.

Os três príncipes são filhos de Jafer, o rei filósofo do Ceilão (Serendip). Após dar-lhes a melhor educação disponível, ele fez com que viajassem pelo país para adquirir a experiência que complementasse os estudos nos livros. Acima de tudo ele queria que os filhos aprendessem com o costume de seu povo. Não existe nenhuma menção a busca de algo como um tesouro.

Walpole não foi o único escritor do século XVIII fascinado pela história dos três príncipes. Voltaire desenvolveu o mesmo tema e o incorporou em um dos episódios da novela Zadig [23] (1748). A trama básica da história é a demonstração de habilidades na detecção, que por sua vez é evidência da ação de uma testemunha rápida sagaz. Aventuras de investigação deste tipo _ aventuras de Scharfsinnsproben_ como os eruditos alemães as denominaram, tiveram sua origem no Extremo Oriente, Índia e China, e nos países semitas do Oriente Médio. Todas elas têm muitos temas: descoberta de paternidade, distribuição de uma herança, ou a descrição de um objeto oculto ou a proveniência de um objeto conhecido a partir de várias pistas. É neste último tema que os três príncipes do Serendip estão envolvidos ao descreverem um “camelo” que nunca viram, nem o condutor e sua carga.

Histórias semelhantes podem ser encontradas nos livros judaicos Talmude e no Midrash, e também nas fábulas das Mil e uma Noites. Deve se fazer uma ressalva, pois estritamente falando os judeus ao lerem a Bíblia seguem um método rigoroso e sequencial, não podendo desviar e nem ler ao acaso. Cada dia tem sua leitura própria perfazendo um ciclo que termina e começa no que se chama a festa da Torá (Simchah Torá [24]). Todavia, no estudo da Cabala o método de ler a Bíblia se altera, o acaso da escolha do trecho é admitido. Abre-se uma página, ao acaso, e se discute os significados que podem estar ocultos nas letras e expressões do texto bíblico.

Talvez seja redundante dizer que qualquer descoberta de um bom objeto é uma experiência prazerosa, mas deve ser assinalado que o prazer da experiência aumenta se a descoberta é inesperada. No sentido contrário existe o terror de um destino ruim. A incerteza tende a ser ameaçadora, mas quando esta traz aspectos de um bom objeto estes são duplamente benvindos – eles sugerem que os deuses estão sorrindo. Desta forma, Serendipidade é uma experiência particularmente agradável, e torna-se mais se a descoberta é significativa, embora os significados possam ter por conta de idiossincrasias individuais um mérito que não teriam para outros. Existe algo de intangível em toda experiência de Serendipidade.

O prazer é contagioso; muito frequentemente uma história de Serendipidade gera outras, como se estivesse aumentando o prazer geral de uma inesperada boa sorte. Exemplos dessa característica podem ser encontrados em muitos poetas. Dylan Thomas [25] é um poeta que de forma rara nos permite essa vivência e que demonstra ser a poesia algo vital em nossas vidas. Para a psicanálise trata-se de um modelo a ser seguido através da linguagem que mostra que ela em si mesma é vital para o desenvolvimento da mente humana.

Não é por mero acidente que a poesia de Thomas Do not go gentle into that good night é lida em funerais lembrando a todos a importância de na vida, não só fazer com que ela seja bem vivida, mas também o viver evitando e lutando contra as forças da morte. A poesia nos permite sentir que podemos ser transportados pela vida, e que esse sentimento por si mesmo está nos transportando, mas para isso é preciso revoltar-se contra ser passivamente conduzidos pelo esmorecer da luz.


Do not go gentle in that good night

Rage, rage, against the dying of the light


(Não deixe ingenuamente que a noite eterna seja o que lhe conduz

Revolte-se, revolte-se, contra a morte da luz)


Nesse sentido o presente limita-se a modular a questão ética ou a transforma? Devemos ainda e sempre nos ocupar de desvendar o enigma de nossa existência, ou essa breve e frágil trama é constantemente tecida pelo que acontece em nossa história? Devemos desassossegar nossas crenças com o esforço de pensar o ser, ou o que é depende do que pensamos ser?

Temos aqui a expressão que Bion nos coloca para pensar a complexidade da relação analítica: Memória do Futuro. Trabalhamos apenas no presente ou esse presente deve levar em conta a existência de um futuro daquilo que está se passando? Mas certamente esse presente só pode ser de fato apreendido na dimensão que o relaciona com o futuro se estiver em uso a capacidade negativa e, mais ainda se ela permite a Serendipidade.

Podemos dizer isso de outra forma, partindo da historicidade do futuro como dimensão ética: podemos presumir que a cada momento histórico os seres humanos estipulam os desafios, estimam as forças de transformação que acreditam existir, separam em seu presente o que pode ser transformado do que é inevitável, ponderam oportunidades, aquilatam mundos diferentes e se propõem a tarefa de promover ou evitar o que foi avaliado. Nesse sentido, todo futuro é um futuro do presente; é um rascunho do que se estima poder existir em função do que existe.

Se o futuro é uma crença, pode-se levantar com respeito a uma história do futuro uma segunda objeção, esta não mais vinculada à permanência da morte como abertura ao tempo, mas a variação indefinida e à multiplicidade própria de toda crença. Uma história do futuro seria impossível, ora pela permanência, ora pela variação desenfreada. Contudo, mesmo um olhar rápido sobre a história faz com que se perceba que as antecipações possuem estabilidade; algumas delas atravessam séculos. Há momentos também em que ocorrem mudanças súbitas. Acreditava-se que o cabível ao homem era entrar no paraíso; acontece uma revolução social, e torna-se crível apostar que nossa tarefa é construir o paraíso na terra. Mais uma vez a pré-concepção mostra como uma ilusão pode vir para satisfazê-la. Experimentamos uma transformação semelhante, e é essa a experiência o ponto de necessidade de uma história do futuro.

A história do futuro enfatiza o hoje. Ela supõe, primeiro, que não há a verdade do tempo; concretamente presume, de um lado, que não é possível dizer o que é sem interrogar a diferença entre o que se pensa hoje e o que já foi pensado; de outro lado, admite que é necessário indagar quais as condições, hoje, de se pensar o que é. Supõe sobretudo que nossa experiência de tempo é transformada pelo contexto em que vivemos. O conceito decisivo é o de experiência, porque com ele atentamos para a variação histórica no cuidado de si. Haver sujeito implica, num movimento único, questionar o que fazer e o que se é. Definimos o que é presente e o que somos aqui e agora; estimando ainda o que é nossa identidade, para que a um tempo, seja necessário muda-la no futuro e seja possível transformá-la no presente, dado o modo como foi constituída pelo passado, antecipamos o que podemos ser e o que pode ser o mundo; e assim fazemos sacrifícios, nos empenhamos, tendo em vista o que desejamos ser no futuro. É no interior de uma história do cuidado que é possível apreender como novas tecnologias podem afetar a nossa temporalidade.


Memória do Futuro e Capacidade Negativa

Ao destacar o hoje, uma história do futuro está mantendo na memória _ como reserva que permite o questionamento_ o futuro do passado recente. Memória do Futuro é um termo que não tem possibilidade de existência no determinismo, ela implica em complexidade, onde se torna possível como hipótese.

Diz Bion: “ Eu acho que quando se trata da sessão real, o que sofremos não é falta de conhecimento, falta de teorias, ou falta de formação analítica. Tampouco se trata de demasiado conhecimento, demasiada teoria e demasiada luz. Para essa pesquisa específica na qual estamos envolvidos não penso em uma luz brilhante _ se é que posso usar esse modelo_ mas em buscar uma situação muito obscura em que um fio de vida aparecerá. Portanto, o importante é excluir o máximo que pudermos para trazer uma forma de fagulha perpetuadora na escuridão deste ponto obscuro. Tal ponto terá que ser definido por cada analista, individualmente”.

O analista precisa participar de um debate importante sobre as diferenças entre a atualidade e a Modernidade, afirmando que não experimentamos o fim da história, mas uma mudança de historicidade, isto é, naquilo que nos faz mudar e no que pensamos ser a origem e a destinação de nosso pensamento. Este debate interessa desde o dia a dia da sala de análise, onde a questão do futuro da transferência pode ser uma delas. Para onde vai todo aquele trabalho que está sendo realizado? Ele tem futuro? Trata-se de hoje e sempre do que Freud chamou Mal Estar na Cultura e que temos obrigação como analistas de atualizar para nós e nossos pacientes.

Podemos explorar a diferença em cinco tópicos: conteúdo das antecipações; relação do presente com o antecipado; agente da mudança; velocidade da mudança e concepção (construção) do sujeito.

Os Sentimentos antecipatórios fazem parte do que Bion chamou de três princípios de vida (1979). Ele os propõe como substituição aos dois princípios do funcionamento mental de Freud. A mudança imediatamente perceptível na sessão analítica causada por esses sentimentos diz respeito ao conteúdo majoritário das antecipações. Na psicanálise clássica, os analistas ainda que fiéis ao progresso da psicanálise e à revolução freudiana, pensavam que o processo analítico asseguraria a liberdade de todos analisandos e a erradicação – ou ao menos atenuação – das mazelas humanas. O modelo do cirurgião_ que atua num campo asséptico para erradicar o mal_ estava na raiz da técnica.

No plano geral, muitos analistas confundiram essa premissa_ que tem tonalidades curativas_ e equivocadamente começaram a praticar uma espécie de marxismo teórico disfarçado de psicanálise, destruindo as instituições analíticas. Apesar de alguns pacientes continuarem a se beneficiar com a liberdade de pensamento que a psicanálise pode fornecer, muitos submergiram numa doutrinação interpretativa político-ideológica, em algum tipo de lulo-petismo que esses analistas abraçaram, dando interpretações doutrinárias aos seus pacientes, tentando alterar suas opiniões políticas e tratando-as, caso não coincidisse com a opinião do analista, como se fossem sintomas.

Hoje, porém, o que se destaca no horizonte das possibilidades sociais é a persistência e a ampliação da miséria econômico-social, o retorno da intolerância própria do fundamentalismo religioso e do nacionalismo estúpido, que certamente vem causando a iminência de catástrofes ecológicas e a desaparição de nossa espécie. São fatos que nenhum marxismo José dircelista, socialismo petista, ou venezuelano delirante, alterou, pelo contrário, só agravou as condições das áreas de Saúde, Educação e Segurança. Hoje os Estados que submergiram a tais discursos, elegendo representantes políticos que alcançaram o poder, são Estados doentes de todas as formas possíveis e imagináveis, à começar da Ética (e que sempre foi a primeira a ser manipulada).


O marxismo iludiu e levou a pensar que estávamos próximos a realizar o que acreditávamos ser a nossa essência humana. Duplamente iludiu quando foi abraçado por psicanalistas que o confundiram com liberdade de pensamento. Acharam que a psicanálise podia colaborar com a política e a conscientização do cidadão _ como se isso fosse função do analista_ mas esqueceram que acima de tudo existe a parte psicótica da personalidade, e que deveria fazer com que qualquer analista desacreditasse por completo de política e ideologia como meio curativo de pacientes. Estavam esses analistas tão psicóticos quanto o mais psicótico de seus pacientes.


É preciso sem trégua observar e analisar a parte psicótica da personalidade, que posso colocar nas palavras do poeta irlandês Louis MacNeice [26]:


Quando acordei eles não se importaram

Ninguém, absolutamente ninguém, estava lá.

Quando meu terror sem nome gritou

Ninguém, absolutamente ninguém respondeu

Eu me levantei, e o sol congelante

Me viu caminhar sozinho

Volte mais tarde ou nunca mais venha

Penso que essa poesia resume a dor da frustração de acordar num mundo sem sonhos, onde predomina a total solidão, somada a insuportável dor de não ter respostas para os medos mais profundos, de não ter quem ajude a pensar nelas, e o peso do caminhar sob o fardo da falta de esperança, à sombra das relações sem sentido e significado

Hoje em dia sabemos que seremos inevitavelmente transformados, arrastados pelo Princípio da Incerteza, e nos inquietamos com a continuidade dessas transformações. Muitas perguntas e muitas incertezas vão sendo produzidas. Por exemplo, onde nos levará a engenharia genética? O mapeamento do genoma humano? A inteligência artificial? As mídias sociais? A globalização? E o terrorismo? A escalada da violência social? A mentira desenfreada associada a corrupção dos políticos que insistem em fazer dos eleitores seres idiotizados pela mídia manipulada?

Nessas indagações não há apenas angústia existencial. Ela traduz _ para quem as tem como um questionamento que precisa se aprofundar_ a mescla de esperança e temor que caracteriza o futuro, e que já seria a marca da diferença no conteúdo das antecipações entre nossa atualidade e o que foi a assim chamada Modernidade. Para nosso presente, a questão sobre o sentido e o valor das transformações que experimentamos implica também a questão de quem estará lá para julgar o que estamos fazendo agora. Se antes a técnica analítica preocupava-se com o passado gerador da transferência, após Bion, na contemporaneidade, temos que nos preocupar com o futuro da transferência e o valor da psicanálise num mundo em que existe muita dificuldade para pensar e conservar símbolos próprios: evidência disso encontramos na epidemia de tatuagens, onde se tenta gravar na pele aquilo que não se consegue gravar no interior da mente. No passado, os tatuados eram pessoas à deriva da sociedade (marinheiros, prostitutas, presidiários), com exceção das tribos em que ela definia o clã de pertencimento. Hoje, a sociedade em deriva, arrasta multidões de tatuados, que nem sabem o porquê fazem isso.

Na Modernidade os homens, como sempre, foram iludidos por correntes ideológicas autoritárias, o catolicismo fundamentalista inquisitorial da Idade Média travestiu-se de ideologia da libertação, igreja moderna, e outros clichés autoritários; o nacional-socialismo com seus delírios de pureza da espécie massacrou todos que eram impuros e hereges; o socialismo tirânico, acreditando-se como a verdadeira ideologia redentora do humano, acabou como as demais, por justificar seus atos violentos contra os que pensavam diferente, e só conseguiam dizer que a história os absolveria, pois deviam engendrar um futuro que se envergonhasse de nós, seu passado, do mesmo modo como podíamos envergonhar do macaco que nos originou. Mas o “macaco” gerou o humano como solução e não como problema. O “macaco” fez mudanças significativas para não ser extinto, e pode gerar o humano, pois acabou por gerar essa função mental magnífica que em Bion se chama pré-concepção: a expectativa vaga de que no futuro existe uma mente onipotente capaz de atender as necessidades humanas e preencher as incompletudes dolorosas. Todavia, se ela foi criativa a ponto de buscar e continuar buscando soluções, o vazio de sua imaturidade constante e, a incompletude eterna das respostas também gerou religiões de todos os tipos para produzir uma ilusão: aquela de aplacar o que surge dessa frustação de não ter respostas para tudo.

O futuro, graças a existência da pré-concepção, fica sempre tomado na memória como sendo o lugar do homem verdadeiro, uma verdade que já se antevê no presente e que em alguns pode prefigurar uma imagem, apesar da oposição necessariamente passageira e circunstancial do seu presente. A verdade está à frente de nós, sabemos disso, e/ou sentimos isso, mas tal fato não quer dizer que iremos alcança-la.

Atualmente, porém, a assunção de que a mudança é inevitável, mas que seu sentido e seu valor são indeterminados, permite que, diante de uma nova tecnologia, alguns antevejam a salvação, outros prenunciem a catástrofe, e outros, ainda, optem pelo ecletismo, afirmando que toda mudança implica o melhor e o pior, ou que toda transformação envolve perda e ganho. Mas transformação envolve criação e destruição de formas, o que é algo totalmente diferente.

No presente – mais do que a realização do homem – antevemos num futuro próximo afrontar novas espécies, sejam elas seres transgênicos da engenharia genética, robôs da inteligência artificial, ou mesmo uma nova humanidade modificada pela multiplicação das próteses e pela possibilidade de programar e transformar nossa individualidade e nosso modo de pensar.

A diferença entre a psicanálise do século XX e a nossa atualidade não abrange apenas o conteúdo das antecipações. Ela afeta também o que podemos e devemos fazer diante do que antecipamos. Na realidade, experimentamos uma modificação no nexo entre a ação no presente e o futuro antecipado. Anteriormente acreditávamos poder participar_ aliás, muitos analistas diziam que tínhamos o dever de fazer isso _ da construção de um futuro melhor. Mas como fazer isso se acreditavam que isso era um objetivo da política, essa forma moderna de destino, como queria Hegel. Aliás, como miseravelmente queria Hegel.

Na atualidade, contudo, assistimos ao imenso poder da ação humana para determinar o mundo do futuro; porém, este mundo é sobretudo temido como catástrofe, afinal, ele significa a interferência no cerne da vida para gerar novas espécies, ou a criação de objetos que parecem vivos e inteligentes. A parte psicótica está lá no futuro ainda aguardando aquilo que não é analisado no presente.

Assim, quando somos convidados a nos mobilizar, isso em geral acontece apenas para evitar ou atenuar as diversas consequências involuntárias e danosas que estamos causando com nossos esforços para melhorar nossas vidas. Tal diferença de engajamento do presente pode ser resumida na psicanálise como passagem da revolução freudiana à ética freudiana. No primeiro caso, o decisivo é transgredir os limites à nossa liberdade, supondo, portanto, que nossa ação no presente está limitada; no segundo, o decisivo é encontrar limites para um poder sobre o poder-ser que se afigura demasiado e perturbador pelo próprio destino que ele descortina. Num caso, sonhamos e lutamos para realizar o sonho; no outro, simulamos futuros, construímos cenários, definindo não só os mais prováveis, mas também os indesejados, assim como os modos de contorná-los. A imaginação tornou-se mais importante e com ela a capacidade negativa.

A transformação nos agentes de mudança parece ser direta. Na superfície haveria a política, como agente maior na Modernidade, e a tecnociência, na atualidade; afinal, só cientistas e engenheiros ainda ousam falar em revolução. Mas a descrição da mudança dos agentes deve ser complexizada. Desde a modernidade passou-se a pensar que a forma das coisas por vir dependia do dinamismo de duas forças: os movimentos sociais e a ciência, com sua aplicação, a tecnologia.

Mas a atualidade mostrou que isso era apenas ficção científica e ficção política-essa a pior delas. A dissociação entre inovações tecnológicas e movimentos sociais é assustadora. E nossos pacientes trazem isso todo dia. Um rápido olhar no saguão de um aeroporto mostra 98% das pessoas imersas em seus aparelhos celulares. A impossibilidade de reunir num discurso único os movimentos sociais e os objetos técnicos agrava o individualismo, o narcisismo de morte que transforma a tecnologia em exterioridade. Mas vida cotidiana e futuro estão sendo transformados. Além disso, toda inovação tecnológica apresenta consequências involuntárias _ como no caso exemplar da Internet, que tem servido como meio de se fazer uma psicanálise via Skype e correlativos, sob o argumento de que não haveria outro jeito de fazer. Mas por que deveria se fazer algo que perde tudo aquilo que o corpo presente nos informa?

Desse modo, torna-se generalizada a sensação de que as transformações acontecem apesar de nossos desejos e sem que possamos delas participar. Daí surgirem autores propondo a urgência política de uma tecno-democracia, isto é, que se abra a investigação científica para o conjunto da sociedade [27]. Se nosso destino está sendo tecido nos laboratórios, pelo menos que possamos discutir como e o que pesquisar, pois um dos pilares do conceito de democracia é poder participar e debater as decisões que afetam coletivamente a todos. Daí também a ampliação em jornais e revistas do espaço dedicado às descobertas científicas e ao aparecimento de novos objetos técnicos.

Mas se um país mingua a pesquisa a ponto de quase exterminá-la, e faz com que seus cientistas tenham que imigrar para outros países _ que os valorizam e lhes dão espaço_ certamente esse país não é uma democracia e não poderá avançar nunca, sendo cada vez mais prisioneiro de bolivarianismos irresponsáveis e assassinos _ ou seja, a parte psicótica vai acabar dominando.


Velocidade das transformações

Ao tentar estabelecer uma diferença entre a Modernidade e a atualidade em relação à rapidez com que as transformações acontecem, duas dificuldades devem ser enfrentadas. A primeira diz respeito à própria existência da diferença: se a Modernidade foi descrita e experimentada como aceleração das transformações, como podemos nos distinguir dela segundo o critério da “velocidade”? A segunda afeta o sentido da diferença: mesmo havendo uma aceleração, será ela relevante, isto é, haveria uma transformação em nossas questões éticas e políticas acerca do novo?

Existe atualmente muita atenção social dedicada ao excesso de informação. Afinal, nunca se produziu tanta informação e tão rapidamente. O bombardeio é constante. Vaz (2003) mostra o com um modelo que se vivêssemos numa aldeia medieval, poderíamos encontrar enquanto caminhássemos, até 200 pessoas; a cidade e o automóvel permitiram que interagíssemos com até 200 mil; com a Internet, podemos interagir com 200 milhões de pessoas. Qual é a sensação de estar em contato com a consciência deste fato? E quando não se tem consciência do fato?


Concepção de sujeito

Quando se trata da concepção de sujeito, destaca-se grosso modo a passagem de um sujeito determinado pela cultura, em suas crenças e comportamentos, para um sujeito programado pela seleção natural. Compreender essa mudança significa atentar para o nexo entre o que podemos fazer conosco e com o mundo e a identidade que nos atribuímos. Se os homens continuam acreditando que suas ações podem leva-los ao paraíso, e não tem como escapar disso em virtude da natureza intrínseca da pré-concepção, eles imediatamente supõem que a organização social em que vivem não pode ser transformada; e que eles se diferenciam do restante dos seres pelo fato de possuírem uma alma racional, que os orienta sobre a ação correta e que é capaz de exercer seus efeitos diante de tentações.

Do mesmo modo, os pensadores modernos partiam da capacidade de transformação política do mundo e sustentavam o pensamento como memória, delimitando, assim, tanto a dependência em relação ao passado quanto a capacidade de libertar-se da herança. Já os contemporâneos partem de um mundo marcado por proezas tecnológicas capazes de interferir sobre o que nos distingue como seres vivos, além de simulá-lo, propondo que a forma do pensamento hoje depende sobretudo da seleção natural e das inovações tecnológicas ocorridas ao longo do tempo. A mudança no modo como o pensamento reflete sobre sua origem e destinação é certamente um sinal maior nas diferenças entre a Modernidade e a contemporaneidade.

A questão mais importante é a riqueza da imaginação e que depende da troca entre símbolos recebidos da cultura e a formação autônoma de símbolos. Ou seja, o pensamento contemporâneo define-se pela suposição de que nós, quando pensamos, somos determinados no que pensamos e no modo como pensamos – e essa determinação nos é imediatamente desconhecida – por termos um corpo e estarmos na história. Se encontrarmos indivíduos de outras culturas, com crenças exóticas, nosso esforço de aplainar o exotismo implicará articular essas diferenças a fatores econômicos e sociais específicos.

Atualmente, as crianças e jovens, e no sentido geral todos os indivíduos, estamos sendo bombardeados com muita velocidade pelos símbolos heterônomos. Todavia, a troca flexível e rápida dos símbolos recebidos para símbolos autônomo depende da função alfa e que se diferencia em dois tipos: a função alfa das concepções que estabelecem as relações do indivíduo com ele mesmo, e a função alfa dos conceitos que pode ser chamada também de função alfa do Self, pois estabelece a relação dos indivíduos com outros e a realidade externa.

A possibilidade de falha nestas duas funções determina o tipo de problema que aparece na clínica. Os problemas da capacidade imaginativa e a sua variação nas pessoas são um indício importante das falhas. Certamente que uma pessoa com falhas na função alfa autônoma terá dificuldades de imaginação, pois a capacidade de trocas ficará diminuída e irá predominar o bombardeio de símbolos adquiridos na cultura. Se a heteronomia predominar sobre a autonomia isso torna o indivíduo mais vulnerável a uma série de problemas.

Por exemplo, uma criança com o desenvolvimento prejudicado por ausências dos pais, sobretudo, ausências emocionais, irá interagir com essas falhas através de sentimentos prevalentes de sua personalidade. Se interage com muito ódio, suas concepções podem favorecer a formação de um tipo de superego no espectro narcísico. Ela torna-se uma criança vulnerável ao crime, e como adulto igualmente manterá essa vulnerabilidade e também a uma série de desvios éticos. Mesmo que tenha uma boa educação que lhe forneça conceitos éticos e estéticos irá preferir os conceitos antiéticos e antiestéticos.

Tanto os pacientes quanto os analistas têm capacidades imaginativas variáveis. A diferença não é quantitativa, mas, qualitativa, e isso significa que os pacientes, assim como os analistas se tem uma imaginação flexível ela pode se mover e mudar com rapidez no campo analítico.

Uma criança que não tem a imaginação flexível será muito mais facilmente bombardeada e influenciada pelos símbolos da cultura. Ela torna-se mais consumista, mais superficial na intimidade, e passa a exigir do analista uma grande capacidade de formação autônoma de símbolos. A mesma coisa ocorre com pacientes adultos e que não são atingidos por interpretações. É preciso indagar e ser capaz de pensar sobre que tipo de mundo essa pessoa habita? E muitas vezes isso sobrecarrega o trabalho do analista, exige muito da capacidade imaginativa, tornando o trabalho mais cansativo do que o habitual. Foi em virtude desses pacientes que muitas análises fracassaram por se transformar em uma técnica sedutora, de conluio, ou de “enactment” com os pacientes; uma técnica com pouco efeito no sentido de penetrar no inconsciente dessas pessoas.

A função da técnica analítica não é curar, mas penetrar com algum entendimento no inconsciente dos pacientes, seja ele adulto ou criança. Questões sobre transferência positiva e negativa tem pouca importância terapêutica. Por exemplo, não existe nenhum efeito se o analista tenta fortalecer a transferência positiva quando existe necessidade de expressar a transferência negativa. Não se pode bloquear essa necessidade que provém da falha da função alfa autônoma. O que se pode fazer é admitir essa falha, interpretá-la ao seguir a contra- identificação projetiva, o que aumenta a confiança na relação imaginativa com o paciente, como sendo um complexo organismo em desenvolvimento que ficou estancado em algum ponto da formação de concepções e conceitos. Isso implica uma diferença fundamental em termos de desenvolvimento e não de “cura”.

O desenvolvimento psíquico necessita que se enfatize o direito à existência digna na construção da subjetividade e, num outro sentido, na compreensão profunda da destrutividade do polo narcísico do espectro das concepções. A destrutividade provém da dor psíquica que tomou o caminho da parte psicótica da personalidade. Assim, o problema não é a intensidade da dor, mas da atitude em relação a essa dor. A atitude que depende da capacidade para pensar e usar a imaginação. Isso só pode ser feito se houver interesse do analista não pela dor em si, mas pelo significado da dor. Pode parecer que o analista está sendo duro e insensível, mas é um fato clínico claro que quanto mais interesse é colocado no significado mais tolerância a essa dor o indivíduo desenvolve.

A psicanálise de fato diminui pouco a dor dos processos de vida que os pacientes trazem. Podemos, no entanto, ajudar a diminuir a confusão, mas temos pouca ou nenhuma capacidade de diminuir as dores fundamentais do viver. A vida é para ser vivida, e nisso a questão do tempo, de como usar o tempo, torna-se fundamental. O tempo não volta, o tempo perdido não pode ser recuperado. Outras coisas podem, mas não a perda do tempo, que é muito valioso. O analista não está apenas abrindo um tempo de sessão para o paciente, ele está dando para ele algo muito precioso que é seu tempo de vida colocando ali naquele momento o paciente no centro de sua vida, como mostrou Bion. Por isso essa questão tem repercussões importantes e fundamentais na prática analítica do presente e do futuro.

Não perceber esses fatos vem causando um fracasso conceitual desde o começo da psicanálise, com a preocupação de Freud com os dois princípios de funcionamento mental e com a questão da dor versus prazer. A substituição por Bion destes dois princípios pelos três princípios de vida cria condições para pensar e falar sobre o significado da dor, e não sobre a dor da dor. Ou seja, a dor psíquica pode _ e frequentemente o faz _ assumir um caráter do polo narcísico das concepções, propiciando um tipo de funcionamento mental vulnerável não apenas ao crime, mas também ao ataque social, a indiferença emocional, a falta de sinceridade, e no desprezo pelo sentido da vida e desprezo pela verdade.

Com Bion ficou evidente que a função da psicanálise é preservar o pensamento humano, e preservar com isso a autonomia humana e social. Não somos médicos e nem psicólogos, não somos consultores e nem assistentes sociais, somos psicanalistas. Estamos em busca do sentido das coisas para favorecer e preservar o pensamento, preservar a capacidade para pensar.

O valor mais importante da psicanálise continua sendo a sinceridade. Ela gera confiança, que por sua vez gera mais sinceridade. O argumento é circular e possui um diâmetro que se chama intimidade psíquica. O contexto descrito é válido para qualquer relação humana e constitui o modelo holográfico que foi descrito por Bion como vínculo K- o vínculo do conhecimento. Todavia, na psicanálise não se trata de um acréscimo de Saber _ que seria função da pedagogia_ mas de Saber para se transformar, um Saber para poder vir a Ser. O processo de transformação descrito por Bion (1965) como K em direção a “O” e a transformação em “O“ implica que no centro da personalidade se instala o valor ético da honestidade. Honestidade gera honra que em sucessão gera coragem, caráter, palavra, integridade, compaixão, respeito à verdade, e respeito à vida. São elementos dispostos em sucessão como num conjunto de dominós; se o primeiro é derrubado, os demais caem em sucessão.


[1] Charles Wentworth Dilke (1789-1864), escritor e crítico de literatura inglesa. [2] penetralium, plural de penetralia, a parte mais profunda ou mais secreta de uma construção, um santuário (internum sanctum). [3] Todos são arquitetos do Destino, operando nas paredes do Tempo, alguns com atitudes fortes e grandeza, outros com ornamentos de rimas. [4] Alfred Tennyson, 1º Barão de Tennyson (1809- 1892), poeta inglês. Estudou no Trinity College, em Cambridge. Viveu longos anos com sua esposa na ilha de Wight por seu amor à vida sossegada do campo. Muito da sua poesia baseou-se em temas clássicos mitológicos, embora In Memoriam tenha sido escrito em honra de Arthur Hallam, um poeta amigo e colega de Trinity College, Cambridge, que esteve noivo da sua irmã, mas que que morreu devido a uma cerebral antes de casar. Uma das obras mais famosas de Tennyson é Idylls of the King (1885), um conjunto de poemas narrativos baseados nas aventuras do Rei Artur e dos seus Cavaleiros da Távola Redonda, inspirados nas lendas antigas de Thomas Malory. A obra foi dedicada ao Príncipe Alberto, o consorte da Rainha Vitória. Tennyson fez também algumas incursões pelo teatro, mas as suas peças tiveram pouco sucesso durante a sua vida. [5] Robert Browning (1812 - 1889), poeta e dramaturgo inglês. Foi casado com a poetisa Elizabeth Barrett, autora dos famosos Sonnets from the Portuguese. Também foi publicado um livro com as cartas trocadas entre os dois. Disse Browning:" A vida tem uma significação e o meu dia a dia é procura-la". [6] Wilfred Edward Salter Owen (1893 – 1918) foi um poeta e militar inglês. Estudou nas Universidades de Liverpool e Londres, e veio a morrer em combate, sete dias antes do armistício. As suas elegias sobre a guerra — Poems — publicadas por S. Sassoon, um de seus amigos mais próximos[1], em 1920, revelam-nos um poeta, na linha de Keats, de gosto depurado e pleno de autenticidade, que veio a exercer um fascínio decisivo na poesia inglesa da década de 30. Alguns dos seus poemas inspiraram o War Requiem de B. Britten. [7] Guy's Hospital é um grande hospital do NHS no bairro de Southwark, no centro de Londres . Faz parte da Fundação NHS Fundação Guy e St. Thomas e uma das instituições que compõem o King's Health Partners , um centro acadêmico de ciências da saúde . É um grande hospital de ensino e é, com o Hospital St Thomas e o Hospital King's College , a localização do King's College London School of Medicine (anteriormente conhecido como GKT School of Medicine ). O Tower Wing (anteriormente conhecido como Guy's Tower) é o segundo maior prédio hospitalar do mundo , ficando a 148,65 metros (487,7 pés) com 34 andares. [8] In-Traduções, ISSN 2176-7904, Florianópolis, v. 5, n. 9, p. 137-176, Jul. /Dez. 2013. [9] Confusão edípica [10] No final da década de 1920, Heisenberg formulou o Princípio da Incerteza. De acordo com esse princípio, não podemos determinar com precisão e simultaneamente a posição e o momento de uma partícula. Ou seja, em uma experiência não se pode determinar simultaneamente o valor exato de um componente do momento px de uma partícula e também o valor exato da coordenada correspondente, x. Em vez disso, a precisão de nossa medida está limitada pelo processo de medida em si, de forma tal que ∆px . ∆x ≥ h/2, onde px é conhecido como a incerteza de ∆px, e a posição x no mesmo instante é a incerteza ∆x. Aqui h (Lê-se h cortado) é um símbolo simplificado para h/2π, onde h é a constante de Planck. [11] Como já vimos a noção de tempo é introduzida no objeto psicanalítico pelo conceito de pré-concepção. [12] Os fatores que se relacionam com a produção de tipos diferentes de temperamento e gênio são provenientes do impulso moral primitivo (Édipo). O impulso moral fornece os elementos que vão produzir tipos diferentes de negociação psíquica e que são os processos de transformação. [13] Transformação em moção rígida: equívocos e mal-entendidos; transformação projetiva: falsidades; transformação em alucinose: mentiras e falsas premissas. A desarmonia é também acompanhada de sentimentos específicos na seguinte sequência correspondente acima: sentimento de perda, sentimentos de confusão, rivalidade e crueldade. [14] Evidência, Turbulência Emocional, Sobre uma citação de Freud e Como tornar proveitoso um mau negócio. [15] Entendo a reverie materna como o processo complexo pelo qual a mente da mãe responde a busca feita pela mente do bebê por um objeto que satisfaça suas necessidades e incompletudes. Isso significa atender as necessidades de apoio (também simbólico) da cabeça do bebê, manter o olhar amoroso e as palavras integradas ao ato como parte do processo de amamentação. [16] Essa proposição se baseia na frase de Freud (1926), usada por Bion (1975, 1976,1977), de que existe muito mais continuidade entre a vida intrauterina e a primeira infância do que a impressionante Cesura do nascimento nos permite acreditar. [17] Poderíamos chamar os conceitos de objetos internos, mas como essa teoria pode se confundir com as teorias kleinianas sobre relação objetal (o que não é a mesma coisa que está sendo aqui investigada), prefiro manter os termos provenientes dos trabalhos de Bion: concepções e conceitos. [18] Um atrator é uma região do espaço de configurações que fica invariante quando o tempo passa e que atrai muitas (ou até todas as) configurações próximas. O sistema de Lorenz é um exemplo espetacular dessa noção. O atrator estranho acabou significando um atrator tal que as trajetórias que convergem para ele dependem sensitivamente do ponto inicial. [19] Na matemática, os espaços de Hilbert permitem que noções intuitivas sejam aplicadas em espaços funcionais. Por exemplo, com eles podemos generalizar os conceitos de séries de Fourier em termos de polinômios ortogonais. Os espaços de Hilbert são de importância crucial para a Física Quântica. Eles foram criados por David Hilbert, que os estudou no contexto de equações integrais. Os elementos do espaço de Hilbert são chamados de vetores. Em aplicações, eles são tipicamente sequências de números complexos ou funções. Em Mecânica Quântica, por exemplo, um sistema físico é descrito por um espaço de Hilbert complexo que contém os vetores de estado, e que contém todas as informações do sistema e complexidades multifocais. [20] A clínica mostra que o simplismo generalizador de uma justaposição pode ser cruel e corresponde a ação da parte psicótica da personalidade. [21] carta à Mann, 28 de janeiro de 1754, em Walpole’s Correspondence, vol.20, pp.407-411. [22] Santo Agostinho, Confissões, Penguin-Companhia das Letras, 2014. Redigido no século IV, entre a Antiguidade e a Idade Média, as Confissões de Agostinho de Hipona são ainda hoje um livro surpreendente. Por um lado, pela densidade poética e pela originalidade da escrita, e por inaugurar o gênero da autobiografia como história da formação de uma personalidade, elas representam um marco único na história da literatura ocidental. Por outro, Agostinho elabora nelas uma nova maneira de fazer filosofia, estranha à tradição antiga, por ser baseada não apenas em conceitos abstratos e deduções, mas sobretudo na observação fina dos movimentos psicológicos, das motivações interiores e do significado de pequenos fatos e gestos cotidianos. O resultado é uma leitura incontornável para todos os que se interessam por filosofia, história ou religião. [23] Voltaire, Zadig, editora Larousse-France, Paris, 2006. [24] “Regozijo da Torá” é o nome da festividade que encerra e reinicia a leitura anual da Torá, como lembrança da sua eternidade. Nesta última disposição ler a Torá, em saudação, e imediatamente após ler o início do primeiro episódio. [25] Thomas, Dylan; The collected poems of Dylan Thomas, New directions, New York, 2010 [26] Citado por David Orr em You too Could write a poem, Penguin books, New York, 2017. [27] Latour, Bruno; Jamais fomos modernos, 34 letras, Rio de Janeiro,1994.

33 visualizações

Comments


bottom of page