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Considerações sobre o vínculo K – Transitando entre presente, passado e futuro

Atualizado: 30 de ago. de 2021

Um paciente ao escutar uma construção_ obviamente imaginativa _ sobre um aspecto do seu passado questiona o analista com um tom de voz irritado: o que adianta conhecer o meu passado se isso não altera o que aconteceu? E o que saber sobre meu passado afeta o meu presente? Além do mais de onde tirou isso?


O analista tendo uma observação frequente sobre a dificuldade do paciente para tolerar vínculos onde aparece alguma conjectura imaginativa _ quando então tende a invejosamente atacá-los de várias formas_ respondeu: depende do que seja o “isso” entre nós. Apenas um passado inútil e morto? Apenas uma coisa qualquer? Ou pode tornar-se algo mais como um diálogo que pode gerar desenvolvimento? Não negarei que estou errado se você me der outra interpretação para o que foi dito.


Ele ficou calado. Levantou-se do divã e disse que ia ao banheiro. Quando voltou continuou a falar das mesmas coisas que estava falando antes de minha intervenção.


Assinalei o fato, mostrando que ocorreu uma pausa, primeiro com o silêncio, depois com a ida ao banheiro, e que essa pausa revelou e escondeu a presença incômoda de duas personalidades na mesma sala lidando com o desconhecido.


Penso que a observação busca na existência da pausa uma continuidade de sentido, isto é, cria uma história, fornece uma nova paisagem do mundo, e é essa experiência que pode alterar o presente ao lhe dar outro futuro. A ideia de cesura (Bion, 1977) contempla as questões envolvidas na mudança de um estado mental para outro.


Pode parecer a alguns que essa intervenção do analista foi demasiadamente vaga. Mas é preciso assinalar o contexto em que a análise vinha se desenvolvendo com ciclos inalterados de transformação em alucinose (Bion, 1965).


O analista procurou na primeira intervenção destacar que na indagação depreciativa do paciente, ocorre a existência de uma premissa falsa que alimenta a lógica da alucinose. Ou seja, em virtude da rivalidade e crueldade do superego do analisando as intervenções são sentidas como tentativas do analista de provar a superioridade da análise sobre o conhecimento do paciente. Trata-se de uma lógica que busca um resultado moral; isto é, alguém está certo e alguém está errado. Se isso é mostrado, o analisando pode negar a existência da premissa falsa recorrendo a outra premissa falsa para provar que as ações são melhores do que as palavras. Finalmente, se isso é mostrado, podemos chegar ao problema fundamental que é a tentativa de provar que a mentira é superior à verdade. O problema do mentiroso fica em evidência.


Bion (1962b) nos sugeriu que a interpretação analítica procura um conhecimento de base emocional que envolve três vínculos K, L, H, e, sobretudo, deve fazer algo mais do que aumentar o conhecimento sobre si mesmo. É preciso que a interpretação tenha o valor de pré-concepção. Por sua vez, esta deve almejar uma ação linguística bem-sucedida e, ao mesmo tempo, deve ser um prelúdio para ação. Podemos dizer que ela deve ser algo que transforme esse saber numa espécie de sabedoria que possa conduzir a um “tornar-se”, ou seja, um acréscimo de ser na vida do analisando.

Em palavras simplórias, o vínculo K organiza a experiência emocional e pode lhe dar uma direção futura. Todavia, as coisas mais consideradas simples podem indicar que estamos diante de uma situação de complexidade. E de fato sempre estão.


Tenho procurado ilustrar o vínculo K utilizando uma analogia poética com o amanhecer e o entardecer. São momentos fugazes em que esse vínculo é possível; são momentos durante os quais vemos certas coisas e outras não. Neles existe o contraste entre luz e sombra, obviedade e mistério. Portanto, trata-se de uma situação que não ocorre o tempo todo da análise e para a qual temos que estar preparados. Além disso, talvez nosso papel seja criar condições para que ela aconteça. Isso depende da nossa capacidade imaginativa. Imaginar é produzir pensamentos selvagens, pensamentos transitórios. Passar de um estado mental para outro, mesmo ali onde parece não existir ligações.


Também posso comparar o vínculo K com um livro que não terminei de ler e que me produz interesse em continuar lendo amanhã. O livro que foi lido não me serve mais, apenas para dar de presente a alguém ou decorar minha biblioteca. É preciso abrir a possibilidade de optar por conhecimentos incompletos, onde prevalece a incerteza, que pode um dia me dar sabedoria de vida. Caso contrário, posso me apegar no saber dos conhecimentos saturados que fazem parte da memória. Daí se depreende que é fundamental abrir mão da memória e do desejo (Bion, 1967) para que o vínculo K funcione.


Existem vários aspectos do vínculo K que podem ser desenvolvidos. Vou destacar alguns destes aspectos começando pelas possibilidades ilustrativas que me trazem a poesia “The Road not Taken” de Robert Frost:


Em um bosque outonal a estrada bifurcou-se,

E consciente de que eu não poderia escolher as duas

Como um caminhante experiente, fiquei ali parado, pelo tempo necessário

Olhando para o chão de ambas

Vi como as folhas no chão se espalhavam;

Então tomei uma delas, seguindo a intuição,

E tendo talvez a melhor escolha da razão,

A estrada gramínea, que indicava estar sendo a mais usada ou preferida;

Pois estava desgastada por muitos caminhantes,

Ambos caminhos naquela manhã me foram igualmente apresentados

Em um deles as folhas no chão indicavam que nenhuma pegada havia sido feita. Pois as folhas caídas não estavam enegrecidas pelas pisadas.

Ah, eu guardei o primeiro caminho para outro dia!

Pela sabedoria de que o caminho se faz caminhando,

Duvido se algum dia aí voltaria,

E digo isso como uma profecia

Para algum lugar muitos anos à frente

Duas estradas divergiram em um bosque, e eu –

Eu estava livre e tomei a menos percorrida,

E isso fez toda a diferença.


The Road not Taken é uma história sobre as histórias que contamos sobre nós mesmos e nosso mundo: nossa visão de mundo. São histórias cheias de dúvidas e possibilidades, incertezas e mistérios, meias-verdades que nos assombram, e que no seu conjunto determinam como vemos a nossa vida e como pensamos sobre a vida que vivemos. Penso que o poema descreve o vínculo K.


O poema parece simples: um homem [1] chega numa encruzilhada_ física e metaforicamente_ e tem de escolher um caminho para seguir.


Creio que não vou surpreender ninguém se disser que esse tipo escolha tem uma longa participação na Cultura Ocidental começando pela peça Édipo Rei, onde Sófocles nos apresenta uma demonstração inequívoca e eterna da ressonância simbólica de uma encruzilhada.


Édipo: Eu pensava ter escutado você dizer que Laio foi morto numa encruzilhada.

Jocasta: Essa é a história que não quer se calar.

Édipo: Mas aonde ocorreu? Seja precisa.

Jocasta: Em um lugar onde existe uma bifurcação de estradas, uma vai para Daulios e outra vai para Delfos.

Seria possível fazer uma analogia deste diálogo com o diálogo entre o analista e seu paciente?


O analista disse que o que estava acontecendo na sessão sugeria que no passado o analisando vivenciara muito primitivamente uma disputa entre seu pai e sua mãe por sua posse, como filho. Muitos desastres emocionais ocorreram por causa dessa disputa dolorosa.

Por ter dito isso recebeu como resposta a reação mencionada no início do trabalho.


Antes de Édipo confrontar-se com Laio, ele não era um Rei e nem um parricida, ele não era nem mesmo a pessoa que acreditava ser. Antes da escolha ele não era nada. Ele era uma pessoa sem história real, sofrendo com a falta de sentido para sua vida. Ele era_ podemos dizer_ apenas um potencial: uma pré-concepção à procura de uma realização que desse à luz uma concepção (Bion,1962a, 1962b).


Se essa concepção vai tomar o caminho do desenvolvimento ou de uma involução, isso vai depender do tipo de acolhimento (continente) e dos processos emocionais (conteúdos) que são desencadeados por situações inevitáveis de perda que ocorrem em toda escolha e em todo julgamento que é feito.


No poema de Frost as estradas levam no final ao mesmo lugar. Mas o poeta diz que sendo um caminhante experiente, antes de escolher ficou observando os detalhes, o quanto foi necessário, tais como as folhas cobrindo o chão de ambas estradas, e notou que em um dos caminhos as folhas estavam enegrecidas indicando que muitos caminhantes por ali haviam passado. Todavia ele estava livre e escolheu o caminho menos trilhado e isso fez toda a diferença.


De certa forma, nossa mente em estado de pré-concepção pode escolher trilhar ambas as estradas. Pode escolher trilhar uma mais do que a outra, e essa analogia pode ter vários níveis de compreensão e simbolismo. A sucessão de níveis atesta a complexidade da situação exigindo novas ferramentas e novos modelos para se lidar com a psicanálise.


Voltando ao paciente ele havia relatado perdas muito dolorosas em sua infância. Essas perdas tem o colorido de uma personalidade que carrega além de inveja, a voracidade e a ambição. Todos os três afetos estão mal processados pelas experiências passadas com os pais e substitutos. Por isso ao falar delas não existe emoção alguma. Parece que fala de outra pessoa. Ele recorre sempre a uma expressão: seja razoável! Eu entendi como ele tentando me dizer: não sinta.


O paciente descreveu que sua mãe faleceu quando ele tinha seis anos de idade, e que se lembra dela como uma pessoa que não tolerava a expressão de carinhos e nem de hostilidades, ela simplesmente “não escutava”, chamando tais manifestações de “pecados”. Portanto, o paciente saiu mal de sua infância, sugerindo alguém cujo olhar ficou preso melancolicamente no passado inelutável. O pai voltou a se casar, mas a madrasta não era muito diferente ao dizer que ele devia ser forte e não se lamentar.


Em outra sessão ele foi bem hostil elevando a voz para dizer que o analista não estava entendendo nada do que ele falava. O analista apontara a existência de um sentimento de desamparo perante pais poderosos.


Diante do tom hostil do paciente, o analista disse apenas que ele estava sendo sincero e honesto em expressar o que sente e indagou: até que ponto se alguém chega de fato a não compreender este na realidade é um ponto de onde se pode evoluir?


Na sessão seguinte, ele trouxe um sonho no qual voava por cima de um cemitério e aterrissava logo após numa encruzilhada. Ali ficava parado sem saber qual rua tomar. O analista destacou que nesta encruzilhada de ruas uma delas tinha o primeiro nome do analista. E acrescentou que o analisando poderia escolher esse caminho ou o outro caminho que tem o nome de um General da Guerra do Paraguai.


Ele concordou e acrescentou que seu pai era militar da Guerra “de merda”; assinalei que o cemitério aludia a sua infância mal elaborada a qual tinha ficado preso, mas que voara por cima, ou seja, passara de forma onipotente por cima dos problemas das perdas.


Ele me surpreendeu dizendo: você sabia que Hitler morava atrás de um cemitério onde o irmão foi enterrado? Ele ficava olhando de sua janela para o túmulo do irmão por horas a fio.

Me ocorreu que ele poderia estar me avisando de uma enorme devastação que estava por vir se ficasse conhecendo muito sobre suas perdas. Mas a devastação já existia havia anos e estava sendo manifesta pelo evitar do conhecimento sobre seus sentimentos com o uso de álcool e drogas.


Eu entendo que encarar a perseguição dos objetos mortos e fazer a reparação deles, isto é, fazer o luto pelo que está perdido e irreparável_ além de conformar-se com as limitações de objetos passados_ é um trabalho importante da análise e requer muitas construções. Julgo importante que essas construções expressem simetrias que ajudem a não perder o caráter onírico que as permite expandir (Chuster, 2018). Uma simetria importante é entre onipotência e desamparo.


Todavia, a elaboração_ nos termos acima descritos_ depende de escolher a estrada da reparação ao invés da estrada da restauração.


Quando a estrada escolhida é a parte psicótica da personalidade temos pacientes que ficam presos nas tentativas de restaurar o irrestaurável. Essa estrada possui os seguintes passos emocionais:

  1. Uma obstinação em julgar o conhecer como o que é melhor não conhecer

  2. Um tipo de fúria que obstrui a escuta

  3. Uma recusa de reconhecer a verdade da forma como ela se apresenta

  4. Uma mudança catastrófica causada por um conhecimento intolerável que força uma pessoa a se esconder do mundo visível (onipotência, refúgios psíquicos).


Podemos colocar essas características como desdobramentos no mito edípico pela ótica da arrogância, ou seja, pela ótica da parte psicótica da personalidade (Bion, 1957). Imaginemos uma Grade de hipóteses para essa situação.


Oráculo (hipótese definitória) – mudança catastrófica pela impossibilidade de dizer toda verdade.

Tirésias (elemento ψ) – recusa excessiva da verdade que se apresenta

Encruzilhada (Notação) – Fúria que obstrui a escuta, acidente e morte.

Esfinge (Atenção) – mudança catastrófica e morte pelo conhecimento intolerável da verdade

Édipo (Indagação) – sofrimento e dor da descoberta, ataque a si mesmo por intolerância à verdade: julgado como arrogante por insistir em saber o que não deveria ser conhecido.


Todas essas características aparecem como transformações, movimentos presentes em todas as imperfeições e todas as incertezas da vida. A identidade que encarna o aprender da experiência é o trágico fundamental dos caminhos em que cruzam o saber e o não saber [2].


Voltemos ao Édipo. Enquanto Édipo escolhe um caminho, ou uma questão para fazer, sus interlocutores também escolhem uma resposta e um ato: ocorre uma inter-ação.


Para o Oráculo Édipo pergunta: Quem sou eu? A resposta: Você é um miserável. Saia já daqui condenado a matar seu pai e casar com sua mãe.


Para Tirésias de novo ele pergunta: Quem sou eu? A resposta: Cale a boca. Mantenha sua questão só para você.


Na Encruzilhada: Para onde vou? A resposta de Laio: Saia da minha vista!


Para a Esfinge: De onde eu venho? A resposta foi: Fique com a resposta para você, pois não vou estar mais viva para saber.


Para si próprio: Quem sou eu? De onde eu venho? Para onde eu vou?


Nos passos de Édipo temos o confronto entre a Cultura como continuidade, a memória da inteligência dos outros, e a criação, seu oposto, como ruptura. Continuidade ou ruptura?


Penso que a resposta depende do vínculo K e da direção que vai tomar K. Se vai em direção a memória e desejo, ou se vai na direção oposta, de ruptura e percepção da criação do presente.


A imaginação tem um papel importante nesta escolha, e depende da troca flexível entre os símbolos recebidos da cultura e a formação autônoma de símbolos que rompem com a lógica vigente (Meltzer, 1997).


Sabemos que atualmente as crianças e jovens estão sendo bombardeados com os símbolos da Cultura virtual. Símbolos criados por alguém e que muitas vezes não deixam escolha para muda-los. Este é um tipo de situação que se aproxima da ignorância relativa. Existe um conhecimento, mas ele não dá margem a nada além de se tornar um espectador da vida. O paciente parece se enquadrar nessa situação com pais que se propõem a ser virtuais, sem emoções.


Alcançamos neste ponto um aspecto extremamente importante no trabalho analítico que é a riqueza da imaginação no caminho para chegarmos a uma interpretação que possa direcionar K para O. Tanto os pacientes quanto os analistas têm capacidades imaginativas variáveis. A diferença não é quantitativa, porque muitos pacientes como muitos analistas tem uma imaginação flexível, que pode se mover e mudar com rapidez.


Nos interessa destacar os pacientes que não tem uma imaginação flexível, e por essa razão podemos dizer que analogicamente funcionam como crianças que são mais facilmente bombardeados e influenciadas pelos símbolos heterônomos da cultura.


Uma criança que não tem imaginação flexível torna-se mais consumista_ sua voracidade não tem continente emocional_ torna-se mais superficial, e passa a exigir do analista uma grande capacidade de formação autônoma de símbolos. O mesmo pode ocorrer com o paciente adulto.


O tipo de funcionamento mental decorrente desta falha da função alfa autônoma torna o indivíduo mais vulnerável ao crime, ao ataque social, à indiferença emocional, à falta de sinceridade e, ao desprezo pelo sentido das coisas e pela vida. Podemos englobar essas situações na categoria geral das mentiras. O paciente tem conceitos vazios que não se casam com suas intuições do fenômeno emocional que lhe acomete [3].


Esses pacientes não são atingidos por interpretações rotineiras, eles nem mesmo conseguem escutar o analista estando presos a um discurso cheio de generalizações e incoerências. É preciso perguntar e ser capaz de pensar usando uma expressão de Roger Money-Kyrle: que tipo de mundo essa pessoa habita? [4] Seja qual for esse mundo, trata-se de um mundo em que a existência do analista é muito incomoda para eles.


Certamente que isso sobrecarrega a capacidade imaginativa do analista para não dar intepretações rotineiras, ao ser confrontado com pensamentos rígidos desses pacientes que ficam justificados por discursos ideológicos.


Outra paciente afirma que está sendo escutada na sessão, pois toda vez que fala de seu marido, ele já está sabendo quando chega em casa. Ela diz que ele tem conexões partidárias que a fazem ser vigiada por muitas pessoas. Ela conta isso sem emoções no relato.


Foi em virtude desses pacientes que muitas análises fracassaram e se transformaram numa técnica sedutora, de conluio com os pacientes, ou seus familiares, uma técnica com pouco efeito no sentido de penetrar no inconsciente dessas pessoas. Em poucas palavras, deixou-se de analisar a parte psicótica da personalidade.


Os pacientes mencionados possuem e trazem o superego assassino para as sessões_ que é uma espécie de terceiro que está escutando a conversa com o analista. Na fantasia da paciente há uma quebra da segurança do setting com a presença deste objeto mau e, obviamente, destrutivo da relação analítica.


Teorizações sobre transferência positiva e negativa tem pouca importância terapêutica nesses casos. Não se pode atuar psicanaliticamente bloqueando a necessidade de expressar essa falha da função alfa presente nas concepções e conceitos que criam o mundo onde essa pessoa habita.


Alguns desses pacientes são bons de conversa, falam sem parar, como se quisessem não dar espaço para o analista dizer algo. Os discursos têm altas doses de generalizações e apagamento do sujeito das orações; inventam histórias e estatísticas para provar qualquer coisa, mas isso encobre a capacidade que eles têm para pensar.


É preciso admitir a expressão dessas falhas na análise e seguir a resposta dada pelo campo complexo, confiando na relação intuitiva/ imaginativa com o paciente _ visto como uma mente em desenvolvimento que ficou estancada em algum ponto do desenvolvimento das concepções e conceitos sobre o mundo. Essa parada do desenvolvimento se traduz também por falhas no que podemos chamar de barreira de contato ética. Valores como sinceridade e honestidade, são atacados e como consequência surge uma fragilidade no valor das palavras, no caráter, na coragem, na compaixão e no respeito à vida.


Essa visão da técnica implica numa diferença fundamental de interesse no desenvolvimento e não se deixar levar por ideias de “cura” do paciente. Pois “cura” como significando o cuidar de si mesmo está sempre comprometida com o espectro das falsas premissas e mentiras.


O desenvolvimento da análise requer que é preciso enfatizar o direito à existência digna na construção da subjetividade e, também na compreensão profunda da destrutividade da parte psicótica no espectro de concepções e conceitos.


A destrutividade do superego assassino não pode ser abordada de forma moral_ tal como dizer que o paciente não fala algo real_ mas pela compreensão da falha proveniente da dor psíquica que tomou o caminho da parte psicótica da personalidade. Assim o problema não é a intensidade da dor, mas da atitude psicanalítica em relação a essa dor; atitude que depende da capacidade para pensar. Isso só pode ser feito se houver interesse não pela dor em si, mas pelo significado da dor – essa é uma questão fundamental.


Pode parecer que o analista estará sendo duro e insensível, se fala por exemplo de um assassino na sessão agindo por vezes abertamente e outras vezes insidiosamente. Contudo, é um fato clínico comprovado que quanto mais você se interessa pelo significado da dor, quanto mais se pode mostrar o caráter narcísico das concepções presentes na dor, mais tolerância à dor se desenvolve e um outro rumo começa a aparecer. Digamos que um navegador começa a ser inserido no meio da turbulência que pode levar a um desastre psíquico. A estrela-guia desse navegador é a intuição que respeita a vida e o futuro.


Com a obra de Bion ficou evidente que a função da psicanálise é resguardar o pensamento humano, e preservar com isso a autonomia social.


Como psicanalistas não somos médicos e nem psicólogos, não somos sociólogos, antropólogos, nem consultores de qualquer coisa e nem assistentes sociais. Estamos exercendo uma atividade inédita na história da humanidade, em busca do sentido profundo das coisas para favorecer e preservar o pensamento e a capacidade para pensar.


REFERÊNCIAS


Bion, W.R. (1956) Differentiation of the psychotic and non-psychotic personalities in: Second Thoughts (pp 43-64) London: Heinemann, 1967

Bion, W.R (1957) On Arrogance. In: Second Thoughts. Northvale: Jason Aronson Inc., 1967.

___________(1962a) A Theory of Thinking. In: Second Thoughts. Northvale: Jason Aronson Inc., 1967.

___________ (1962b) O Aprender da Experiência. Zahar, Rio de Janeiro.

___________ (1963) Elementos de Psicanálise, Zahar, Rio de Janeiro

___________ (1965) Transformações, Imago, Rio de Janeiro.

___________ (1967) Notes on Memory and Desire

___________ (1970) Atenção e Interpretação, Imago, Rio de janeiro.

___________ (1975) The Grid and Caesura, Imago, Rio de Janeiro.

___________ (1994) W.R. Bion: Clinical seminars and Other Works. London: Karnac.

Chuster, A. (1989) Um Resgate da Originalidade: os conceitos essenciais da psicanálise em W.R.Bion, Degraus Cultural, Rio de Janeiro.

___________ (1995) Conferência: “Aspectos históricos, filosóficos e epistemológicos da obra de W.R. Bion”, III Jornada Científica do Instituto W.R. Bion, Porto Alegre, 1995.

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___________ (1995) O legado técnico de Bion – na III Jornada do Instituto W.R. Bion, Porto Alegre, 1995.

___________ (1995) O que mudou na prática clínica a partir de Bion? – III Jornada Científica do Instituto W.R. Bion, Porto Alegre, 1995.

___________ (1996) Diálogos Psicanalíticos sobre W.R.Bion, Tipo & Grafia, Rio de Janeiro.

___________ (1997) “The myth of Satan: an aesthetic view of Bion’s concept of transformation in "O” –International Centennial Conference on the work of W.R. Bion, Turim, Italia, julho de 1997.

___________ (1997) “Facing what can never be reached” – painel especial sobre Internet e psicanálise – International Centennial Conference on the work of W.R.Bion – Turim, Itália, julho de1997

___________ (1997) “A influência da Ciência na Obra de W.R. Bion” Simpósio Comemorativo W.R. Bion-100 anos organizado pela Sociedade Brasileira de psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ), novembro de 1997.

___________ (1997) Cadernos de Bion 1: Seminários com Arnaldo Chuster - Uma teoria do pensar, aprendendo com a experiência. Organizado por Júlio César Conte, editora Escuta, São Paulo, 1997.

___________ (1997) A Influência da ciência na psicanálise, Revista do CEP de Porto Alegre, ano 6, no 6, dezembro de 1997.

___________ (1997) O Ensino de Bion, Revista do Instituto Bion, no 1, 1997

___________ (1998) Bion cria de fato uma nova psicanálise? Revista de Psicanálise da SPPA, vol. V, no 3, 1998.

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___________ (2001) Comentários sobre a Conferência de Bion em Paris (1978), Revista da Psicanálise da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, Volume VIII, abril 2001.

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___________ (2003) W.R.Bion: Novas Leituras: a psicanálise dos princípios ético-estéticos à clínica, Companhia de Freud, Rio de Janeiro

___________ (2004). Os princípios ético-estéticos de observação. Trabalho apresentado na Conferência Internacional sobre a Obra de Bion, São Paulo.

___________ (2005) A brief survey in the difference between fantasy and imagination in the light of Bion’s ideas. Paper presented to Massachusetts Institute of Psychoanalysis (MIP), Boston, Fevereiro, 2005.

___________ (2005) Interpretações analíticas e princípios ético-estéticos de observação. Trabalho apresentado no 44º Congresso da IPA, Rio de Janeiro, julho de 2005

___________ (2006) Transformações e Significado In: Linguagem e Construção do Pensamento. Org. Jose Renato Avzaradel, Casa do Psicólogo, São Paulo.

___________ (2007) As Origens do Inconsciente; arcabouços da mente futura. Revista da SBP de PA, vol. XIV nº2 agosto/2007

___________ (2009) Lavorare com Bion nella clínica psicoanalitica. In: Com Bion verso il futuro, editado por Giorgio Corrente, Borla, Roma.

___________ (2010) The Origins of the Unconscious. In: Primitive Mental States; a psychoanalytical exploration of meaning. Edited by Jane Van Buren and Shelley Alhanati. Routledge, New York.

___________ (2011) O Objeto Psicanalítico. Edição Instituto W. Bion, Porto Alegre.

___________ (2012) Cesura e Imaginação Radical: obtendo imagens para a ressignificação da história primitiva no processo analítico. In: Sobre a Linguagem e o Pensar. Org. Jose Renato Avzaradel. Casa do Psicólogo, São Paulo.

___________ (2013) A importância da imaginação do analista na prática clínica: um ensaio sobre a capacidade de se conectar com o mais primitivo. Trabalho apresentado na X Jornada Científica do Instituto Wilfred Bion, Porto Alegre

___________ (2013). Quando tirar proveito de um mau negócio se torna quase impossível: um ensaio sobre a possessividade e correlatos. Trabalho apresentado na X Jornada Científica do Instituto Wilfred Bion, Porto Alegre

___________ (2013) Bion: Uma leitura Complexa na contemporaneidade. Curso apresentado no XXIV Congresso Brasileiro de Psicanálise, Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

___________ (2014) A Lonesome Road: essays on the complexity of W.R.Bion’s work. TrioStudios / Karnac, Rio de Janeiro

___________ (2015) A Personalidade Irascível, Reverie: Revista da Soc. Psicanalítica de Fortaleza, volume 8, dezembro, 2015.

___________ (2016). Em uma sessão estou interessado naquilo que não sei. Trabalho apresentado na IX Jornada de Psicanálise: Bion 2016, organizado pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.

___________ (2017) Experiences with Wild Thoughts. Inédito.

___________ (2017) Comentários ao Trabalho: O Desamparo e a Mente do Analista de Leda Spessoto. Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

___________ (2017) Comentários ao trabalho de Altamirando Mattos de Oliveira Filho. Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro

___________ (2018) Simetria e Objeto Psicanalítico; desafiando paradigmas com W.R.Bion. Trio Studio, Rio de Janeiro

___________ (2018) Serendipidade e Memória do Futuro: pensamentos selvagens em busca de uma descoberta. Trabalho apresentado na Jornada Bion da SBPSP, São Paulo, abril 2018.

___________ (2018) capacidade negativa; um caminho em busca da luz. Inédito

___________ (2018) Sortilégio. Trabalho apresentado na Jornada Bion da SBPSP, São Paulo, abril 2018.

Chuster, A. e Trachtenberg, R. (2009) As Sete Invejas Capitais. Artmed, Porto Alegre.

Chuster, A.; Soares, G., Trachtenberg, R.; (2014) A Obra Complexa, Editora Sulina, Porto Alegre

Meltzer, D. (1996) Meltzer em São Paulo: seminários clínicos, Casa do Psicólogo, São Paulo



[1] Sentindo-se emocionalmente no “outono”, uma estação onde a temperatura não está nem muito quente e nem muito fria; com poucos tons de cores que dominam a paisagem, e um certo mistério das nevoas que precisa ser enfrentado. [2] Vou colocar agora uma questão filosófica, embora não descarto que já as estava propondo ao falar de luz e sombra. Através de Zaratustra, Nietzsche assim falou: “ Em todo ser vivo eu observei a vontade de poder”. Em alemão “wille zu macht” alude ao fato de que onde existe vontade (desejo) existe vontade de poder (realização), pois a vontade nasce das carências (da impotência se colocarmos esse sentido como oposto a realização). Podemos desenvolver a questão no sentido óbvio de que desejar é uma coisa e poder realizar é outra. Descartando aqui as noções de poder conectado a autoridade, pensemos simplesmente no fato de que o fato de querer ser analista não garante que se possa, ou o fato de poder ser não garante que se continue sendo. O desejo de ser analista é muito complexo. Não existe no inconsciente tal desejo. Existem toda espécie de desejos edípicos que podem se expressar em relação ao paciente, mas não se pode garantir a ausência de pontos cegos na configuração edípica. Para isso é preciso conhece-los, e só se faz isso numa análise que possa ser tão completa quanto possível, ou que percorra o tempo necessário - sendo ambas expressões impossíveis de definir. [3] Outra paciente ficou agressivamente interessada_ no sentido invasivo que já havia sido interpretado muitas vezes_ para saber em quem eu votaria nas eleições presidenciais. No entender dela eu não poderia me omitir de responder a essa questão. A demanda feita de uma forma bem hostil, trata-se de uma expressão de arrogância que supõe que o analista deve assumir a posição de ingenuidade conivente. Como não respondi a pseudo-provocação _ ela de imediato imaginou que eu estava me omitindo para votar no candidato oposto ao dela, e me ameaçou delatar aos colegas da sociedade psicanalítica, textualmente dizendo que ia me prejudicar profissionalmente. A pergunta seria por que tanto ódio? O grupo social presente na sessão pode ser chamado de parasitário, onde a matemática 1+1=0 é evidente. Essa paciente que vive aterrorizada e insegura com possíveis desastres em todos os setores de sua vida, pôde ver ali de onde provinha sua destrutividade projetada nos outros. Ela literalmente ameaçou o analista de morte, ou seja, colocou em jogo o superego assassino, deste modo, mostrou-se vulnerável aos crimes de difamação e injuria, evidenciou-se ser indiferente emocionalmente ao analista, e mostrou um enorme desprezo pelo sentido das coisas. Suas críticas foram preconceituosas e intensamente cruéis. Uma forma de arrogância levando à ignorância total. [4] Money-Kyrle, R.; Man´s Picture of his world, Karnac books, ed. Revised by Meg Harris Williams, London, 2015.

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