ARNALDO CHUSTER.
Prefácio
Flávio Gustavo Thamsten[1]
Arnaldo Chuster, autor de vários livros que abordam a teoria psicanalítica, nos brinda com seus artigos publicados no jornal eletrônico, Lu Lacerda, o blog do Rio, complementando com um texto final, Capacidade negativa em Tempos de Pandemia, em que tece considerações entre medidas adotadas na pandemia e suas implicações no psiquismo, ressaltando, por um lado, o que o medo pode desencadear, e por outro, as condições internas favoráveis para suportar o impacto provocado por um objeto desconhecido e invisível.
Quando se entra em contato com o discurso de Chuster temos de estar preparados para lidar com a frustração de não ter respostas e explicações. Não se trata de uma fala apaziguadora, mas comprometida com o desconhecido, o que faz com que a leitura de seus textos, seus artigos, confronte o entendimento e as certezas que se possa ter acerca dos acontecimentos que vivenciamos. Trata-se de um texto que abre para novos sentidos.
No rastro teórico de Umberto Eco, citado em muitos momentos, Arnaldo vem realizando em sua trajetória de psicanalista, uma obra aberta, que nos situa perante a complexidade do ser humano, e é nessa perspectiva que os artigos aqui publicados instigam nossa capacidade de pensar.
Os textos são permeados por diálogos com a poesia, história, literatura, arte e ilustrações da vida de personalidades destacadas na contribuição cultural.
As biografias de figuras históricas, de artistas que alcançaram notoriedade, trazem exemplos de turbulência emocional que é a vida humana. Essas leituras em geral não só nos advertem, mas também nos deixam perplexos perante certas qualidades, verdadeiros feitos heroicos, meios excepcionais, modus vivendi dessas figuras que atravessaram os tempos e se construíram em modelos da existência humana. Costuma-se dizer que tais pessoas ultrapassaram seu tempo, ou seja, falavam à humanidade situados num outro tempo, que pode ser um futuro presentificado.
Os artigos aqui publicados expõem aflições e perguntas que se abrigaram em inúmeros artistas, como Van Gogh, em Leonardo da Vinci, nos impressionistas que se reuniram em Paris, advindos de diversas regiões da Europa, de Fernando Pessoa, Fiodor Dostoievsky, Shakespeare, Albert Camus, figuras que penetram nos artigos, além da presença constante de Freud e Bion. Da mesma forma, que cada um de nós, leitores, somos afetados e indagados a cada percurso de nossa existência.
Arnaldo Chuster, profundo estudioso de Wilfred Bion, realiza uma verdadeira orquestração de conhecimentos, realizando uma philia dialógica entre diversos campos do saber, o que permite ao leitor abordar seus textos por diversos ângulos. Os artigos se constroem como textos abertos ao pensar, a partir do olhar de um psicanalista sem, entretanto, empregar jargões ou terminologias do campo teórico da psicanálise.
A aproximação com o leitor, e a escuta/fala do psicanalista reveste-se no desenvolvimento de uma linguagem libertadora capaz de uma transmissão que forneça ferramentas com as quais podemos construir uma autonomia linguística, sem o exercício do domínio criador de escolas. Essas considerações são nitidamente postuladas na Introdução deste livro.
Quando o escritor, faz que a realidade seja rasgada com sua escrita, mostra a tentativa de encontrar a palavra adequada, a frase bem colocada, e desperta no leitor imagens, sonhos e pensamentos não pensados. São os pensamentos funcionando como motores para pensarmos novos pensamentos, é um movimento que esses textos nos provocam.
Esse caminhar implica numa travessia arriscada, no duplo sentido da palavra. Com isso novos mundos, regiões antes desconhecidas são incorporadas. Novas interações, novos conflitos. Em psicanálise temos a figura do Édipo, figura de um acontecimento decisivo, que ocorre num cruzamento do caminho e que conduz à tomada de decisões, favoráveis ou não, pois nenhuma delas nos abriga com a certeza absoluta, nenhuma delas traz a palavra perfeita. Apenas uma bússola a nos orientar: a ética, o “anjo da guarda” que permeia as escolhas.
Faço essas observações para destacar os caminhos íngremes em que o autor caminha com a ousadia do investigador que reconhece a ação do inconsciente, alicerçado no pensar psicanalítico, exerce a prudência que a observação requer. Generosamente publica o resultado de suas incursões por meio de uma linguagem acessível ao leitor leigo em psicanálise.
Aborda questões que atravessam o ambiente sóciopolítico sem, contudo, advogar posições, mas para ressaltar elementos que possam contribuir na compreensão dos fenômenos sociais. Os artigos levantam questões que atravessam o cotidiano social, a fala do psicanalista que importa a ampliação do saber psicanalítico, da mesma forma como Freud escreveu sobre a cultura como psicanalista e não como antropólogo. No artigo “Perdão confundido com licenciosidade”, Chuster diz “ a questão que discuto é a lógica do psiquismo, a psico-lógica. ”
Essa característica nos trabalhos do psicanalista Arnaldo Chuster o torna um homem raro, dito de outra forma, aquele que provoca o brotar do impensável no leitor. Diria que a raridade está nesse ato corajoso em Ser, em diferenciar-se, em ser único e, ao mesmo tempo, unir-se à humanidade, e se tornar demasiadamente humano. O homem raro é aquele que interroga seu saber, que ouve o conhecimento trazido pelo outro, que cultiva e se exercita em ampliar a capacidade de pensar, sem ações imediatas. Um ser que não se deixa lançar no precipício da arrogância. Portanto, caminhar através de seus textos é trilhar por estradas nunca fáceis, na maioria das vezes penhascos e terras onde os mitos habitam. As palavras contidas em seus artigos nos conduzem nessa travessia de contínuas indagações acerca de questões profundamente humanas.
Chuster traz à luz o conceito freudiano de indireto, fundamental aos psicanalistas notadamente em tempos atuais, momento oportuno para destacar a função do psicanalista, das instituições de psicanálise, diferenciadas dos setores condutores de políticas sociais e de princípios ideológicos. Aponta a necessária tarefa, extremamente difícil, que é preservar o espaço para o pensamento psicanalítico.
Encerro essas ligeiras observações sobre esta coletânea de artigos com as palavras do próprio autor, em sua disposição afetivo-intelectual: “ dar boas-vindas à sinceridade, à honestidade e à boa vontade”.
[1] Membro Associado da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro
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