Arnaldo Chuster
O objeto psicanalítico é um conceito desenvolvido por W.R. Bion no livro Aprender da Experiência (1962b), e mais especificamente apresentado no capítulo 22. O conceito constitui-se em um dos principais fundamentos clínicos de sua obra, e um dos resultados mais significativos da sua Teoria do Pensar (1962a).
O objeto psicanalítico se desdobra nos textos subsequentes, adquire novas roupagens, introduz novos questionamentos, mantendo sempre seu vigor no restante da obra.
Para melhor esclarecer o conceito julgo necessário adotar inicialmente o vértice epistemológico, assinalando que o objeto psicanalítico é o objeto da psicanálise para Bion.
O objeto da psicanálise, pode ser considerado o produto final do desenvolvimento teórico-clínico de um psicanalista, um referencial pelo qual ele pauta e avalia seu trabalho. Desta forma, temos diversos objetos da psicanálise em diferentes autores. Por exemplo, para Freud o objeto da psicanálise era o superego; para Melanie Klein, os objetos internos; para Winnicott, o objeto transicional; para Lacan o nó real, simbólico e imaginário; para André Green, o objeto fóbico central; para Grotstein, a posição transcendental.
Obviamente por conta do tempo escasso não vou estabelecer um diálogo sobre identidades e diferenças entre os objetos, e sim me dedicar ao objeto psicanalítico de Bion. Ao tomar essa decisão convido os ouvintes à difícil tarefa de fazer o mesmo, evitando comparações, e realizando um distanciamento temporário da forma de pensar habitual da cultura psicanalítica, apesar de sua coerência absorvente, e de sua produção teórico-prática bastante intensa.
Isso significa uma proposta para se aproximar do pensar de Bion através de um problema multifacetado, com diversos desdobramentos polêmicos, e que aponta os limites, as insuficiências e as carências produzidas por pensamentos e modelos simplificadores na psicanálise, sejam eles teóricos, práticos ou institucionais.
Em poucas palavras, convido a pensar na experiência de Bion e no seu objeto psicanalítico e no que significa do que podemos chamar de introdução ao objeto complexo (Chuster, Trachtenberg, Soares, 2014) na forma de pensar a psicanálise.
Esse objeto, como o próprio designativo complexo indica, se estabelece a partir do uso de sistemas abertos, não lineares, não diagnósticos, não hermenêuticos, não-deterministas, que tem expressão em modelos espectrais de pensar a clínica. O uso de sistemas abertos alterou diversos aspectos do pensar psicanalítico: a ontologia, a epistemologia, a metodologia, a lógica e, sobretudo, a prática.
Os modelos espectrais complexos são regidos pelo Princípio de incerteza (1) nas observações e propõem simultâneas possibilidades interpretativas, sugerem probabilidades criativas, e consideram que o importante é complexizar cada vez mais o campo, isto é, aumentar as variáveis e as incógnitas. Se pudesse traduzir isso em poucas palavras cito uma frase do próprio Bion em uma supervisão: “julgo importante ter várias possibilidades interpretativas para que se possa escolher. Uma possibilidade apenas é suspeita de certeza num ambiente de incertezas. Costumo, dentre as minhas possibilidades interpretativas, escolher a mais difícil de ser dada pela ameaça de imediata turbulência emocional. Mas ela me dá a precisão que somente os sentimentos podem ter.” (comunicação pessoal).
II
A noção de objeto psicanalítico, no capítulo 22 de Aprender da Experiência (1962b), aparece através de uma fórmula quasi-matemática {ψ (є) ±γ µ}.
A forma matemática de apresentação segue uma das proposições apresentada em Uma Teoria do Pensar (1962a): o campo analítico precisa adotar a mesma relação que existe entre a matemática pura e a matemática aplicada, para buscar princípios epistemológicos que o afastem de hábitos vazios repetitivos, e crenças cegas. Ao inserir esses princípios busca-se um método crítico que possa estabelecer quais são os limites e alcances da psicanálise (Chuster, 2011,2014,2018).
Vou descrever agora a fórmula do objeto psicanalítico usando uma perspectiva tridimensional.
Na expectativa de uma melhor compreensão do que desejo transmitir, forneço imagens holográficas, na expectativa de ajudar na visualização e abrir uma penumbra de associações (um espectro de possibilidades) que possam ser uteis para o nosso diálogo:
Consideremos agora as consequências do uso dos sistemas abertos representado pelo objeto psicanalítico na mudança na Ontologia com a teoria da pré-concepção de Bion.
Em primeiro lugar, trata-se de uma origem indecifrável que segue o algoritmo das funções matemáticas (Ψ) (є) e, deste modo, define um campo de funções a partir de um elemento variável (є) definido pelas experiências, e outro elemento invariável (Ψ) que abriga a singularidade constitucional do indivíduo. Portanto, antes de tudo, a pré-concepção, como função para definir um campo aponta para uma ordem contínua no espaço e no tempo.
No texto Transformações (1965) Bion expõe uma nova forma de falar sobre a pré-concepção referindo-se a algo mais misterioso que seria o “O”. Ele pode ser definido simultaneamente como um “O”-Onthos incognoscível que gera um “O”-Opus (work in progress).
Deste modo, podemos imaginar a pré-concepção como um modelo de flutuações infinitas, ou seja, a pré-concepção é contínua no campo analítico nas variações trazidas pelas experiências que contém sempre elementos novos. Deste modo, o princípio técnico que a origina pode ser englobado pela complexidade {µ} inerente a constante presença do novo e desconhecido de cada experiência. Não há em Bion repetição no sentido clássico da teoria psicanalítica. Portanto, mais uma vez, temos o princípio da Incerteza pautando as relações a serem investigadas.
Um aspecto muito significativo da complexidade do modelo é o conceito de Realização, definido como o processo que transforma a pré-concepção em concepções, e que por sua vez_ através da experiência de senso comum grupal e teste da realidade_ se transformam em conceitos. Esse segundo processo de transformações é também uma Realização, mas com outros parâmetros.
Quando pude me aprofundar nas proposições de Bion sobre a Realização (Chuster,1999, 2002, 2008, 2014,2018), me dei conta que esse conceito segue também um modelo matemático, definido como a sucessão de conjuntos infinitos com combinação e repetição de signos (2). Deste modo, tomando sempre por base os textos de Bion, pude identificar duas etapas na Realização: uma etapa pré-natal (mente embrionária) e uma etapa pós-natal (mente simbólica).
No esquema a seguir tento colocar as ideias gerais sobre as duas etapas:
III
Numa conversa pessoal com o Dr. Horácio Etchegoyen, na época em que eu e Renato Trachtenberg pedíramos que ele fizesse o prefácio de nosso livro As Sete Invejas Capitais, ele resumiu a influência das ideias de Bion no seu trabalho relatando uma supervisão coletiva com Bion, em que foi apresentado um sonho no qual o paciente dirigia um ônibus, e ao colocar para fora o braço, dando sinal de que ia entrar à esquerda, o seu braço cai e ele acorda muito angustiado. Não consegue fazer associações.
A maioria dos presentes interpretou na linha da castração que uma função de responsabilidade pode trazer, outros tomaram a ideia do coletivo como representação de identificações edípicas que produziam dificuldades na condução do trabalho. Bion, escutou as interpretações e disse: Não, descartaria nenhuma dessas possibilidades,
mas antes eu perguntaria ao paciente se ele estava sozinho no ônibus, e para onde seu braço podia estar apontando na paisagem em volta.
Existem muitos outros depoimentos de analistas que tiveram supervisão ou foram analisandos de Bion que eu poderia relatar, mas vou optar por assinalar de uma forma mais geral, o que no meu entender aconteceu com os analistas que seguiram a mudança proposta por Bion.
Em primeiro lugar, adotou-se, de algum modo, mesmo sem se dar conta, a complexidade na forma de pensar a clínica, e com isso foram tomando uma direção não determinista, não hermenêutica, não linear, aceitando os modelos espectrais, que geraram uma ampliação dos princípios ético-estéticos (Chuster, 1999,2002, 2004, 2008, 2010, 2014, 2018) específicos do trabalho analítico, tais como a Incerteza , a Indecidibilidade de Origem, a Singularidade, a Incompletude, a Infinitude, e o princípio de Negatividade representado pela prática da suspensão da memória, do desejo e da necessidade de compreensão ( Bion, 1965, 1967, 1970), e da capacidade negativa ( Bion, 1970), ou ato de fé (Bion, 1970).
Ocorreu que esses analistas passaram a escutar e falar com os pacientes de uma forma diferente. Para conseguir isso foi necessário aceitar durante as sessões que pudesse haver um aumento da ansiedade derivada de sentimentos persecutórios diante do novo e do desconhecido de toda sessão, além disso, aceitar ter consciência da real vivência de solidão do analista em seu trabalho, não ignorar a sensação de perigos insuspeitados com a possibilidade de enfrentar emoções violentas, e tolerar as imagens mentais ainda sem significado que vem à mente. Por outro lado, esses analistas notaram um aumento da criatividade e da capacidade imaginativa, traduzida pelo aproveitamento das imagens em busca de um sentido. Isso também significa um aumento da capacidade intuitiva nas sessões.
Alguns analistas, após algumas tentativas, acabaram rejeitando o método, pois interpretaram o fenômeno que lhes ocorria como vulnerabilidade ou fragilidade (Chuster, 2017). A proteção fornecida por memória e desejo impede a solidão, pois ambos os elementos mantêm a fidelidade teórica grupal. Não entrarei aqui no mérito das diversas patologias edípicas que insistem nessa fidelidade. Mas, sobre isso podem consultar em Bion a citação que ele faz da morte de Palinurus, um trecho da Eneida.
O método de Bion denuncia a existência de opacidades na percepção do fenômeno que devemos investigar no presente da sessão. Ele assinala, sobretudo, o uso da memória e do desejo (e acrescenta mais tarde, a necessidade de compreensão, 1970).
Podemos dizer que memória e desejo (que são faces da mesma moeda: os pontos cegos edipianos) fazem com que os sistemas simples corram o risco da simplificação, e o que é complexo corre o risco de ser alvo de negação. Mas, sobretudo, o uso de memória e desejo permite que aquilo que exige criatividade e singularidade transforme-se em repetição e uso de modelos estereotipados.
Após Bion, a máxima socrática _ saber que não se sabe _ alcançou uma expressão prática renovada e contundente. O analista passou a dispensar qualquer necessidade de registrar o material para uso como memória, e com isto passou a sentir um aumento da realidade dos fenômenos a serem interpretados: os objetos psicanalíticos. Bion vai listar esses objetos no texto Elementos da Psicanálise, sustentando a sua aplicação num domínio que denomina de integração de mitos, sentidos e paixões (1962b).
Para que o analista possa integrar esses domínios_ e dar uma interpretação_ é preciso aceitar um aumento da vivência de singularidade de cada experiência e da própria relação com a psicanálise. A implicação de investigar sempre os parâmetros do setting analítico aumenta o nível de comunicação dos assuntos trazidos para a sessão. A sessão torna-se mais viva e mais criativa, exigindo cada vez mais as qualidades imaginativas do analista. No sentido geral, com Bion, a psicanálise ficou mais difícil de ser praticada, mas muito mais interessante e reveladora de recursos ainda não explorados.
Alguns analisandos com experiência psicanalítica anterior, quando vivenciavam os parâmetros bionianos, estranhavam a falta de interpretações transferenciais deterministas ou rotineiras. Outros se queixavam de que o analista conversava livremente com eles, como se fosse uma conversa do dia a dia, e diziam que aquilo nada tinha a ver com análise, numa espécie de autodenúncia de que em análises anteriores impunham condicionalidades ao analista ter que ser como eles gostariam. Assim, quando da liberdade deste “nada a ver” surgia uma interpretação profunda, a turbulência emocional era inevitável (4)l.
Mas, foi em última instância a percepção de que a análise está dentro das pessoas como uma habilidade humana em potencial, que fez o paciente se interessar mais pelo processo analítico e pelo conhecimento de sua mente. Podemos chamar isso de função psicanalítica da personalidade (Bion, 1962b).
Essa percepção revelou que o papel do analista é muito mais modesto do que se pensava. O saber encontra-se sempre muito aquém do mínimo que se precisava saber. Não se pode fornecer análise a alguém como se fosse um remédio ou tratamento médico, muito menos seguindo prescrições mecânicas ou pré-programadas por instituições. Do mesmo modo que não se pode ensinar arte; não se pode fornecer psicanálise e, tampouco, ensiná-la. Mas assim como a arte pode ser aprendida por quem nela mergulha com sinceridade, a análise pode nascer dentro das pessoas e se desenvolver caso alguém queira fazê-lo com sinceridade erespeito àsingularidade. Trata-se mais de um processo para desenvolver uma habilidade humana, produzir uma ética de pensamento voltada para o desconhecido, despertar recursos insuspeitados, que podem ser trazidos à tona por certos parâmetros (setting analítico) criados para tal intenção.
Após Bion o trabalho do analista passou a ser visto como algo que não pode ser descrito simplesmente pela interpretação. Tornou-se necessário valorizar o potencial da experiência emocional e seus significados para o desenvolvimento do pensamento em si. Deste modo, o processo analítico passou a usar mais construções e descrições para lidar com a complexidade dos processos mentais. O processo de “sonhar” o material da sessão (função-alfa) tornou-se central no trabalho analítico.
As qualidades oníricas do tipo de linguagem que atende a estes fundamentos não têm mais o sentido clássico, mas fica à disposição mais para atender à imaginação do analista que se permite trabalhar como faz um escritor ou um artista, indo passo a passo na descrição de seus personagens, vivendo a surpresa da escuta e seguindo a trama pelo vértice do elemento novo e imprevisível.
Na realidade, os aspectos dinâmicos que têm tanta importância na interpretação psicanalítica clássica ficaram de lado na medida em que se assume o indeterminismo e a instabilidade das funções psíquicas: a mente é um sistema transitório que não comporta visões ou interpretações repetidas; o material conhecido pela dupla analista/analisando passa a ser falso ou irrelevante.
Esta posição se destacou no texto Transformações (1965) e ficou muito clara em Atenção e Interpretação (1970), quando Bion salientou a grande rotatividade das dinâmicas mentais em função da relação com a verdade e com a interferência singular dasensibilidade. À medida que os estados mentais se desdobravam e se desenvolviam, a dinâmica mudava, requeria outras possibilidades interpretativas, e o analista se via acompanhando o paciente numa situação sem passado e sem futuro, apenas referida ao desenvolvimento presente do pensar. A teoria da transferência se expande com a ênfase na teoria de diversas transformações e transitoriedade.
O estudo dos distúrbios do pensamento no analista em função da opacidade causada por memória, desejo e necessidade de compreensão, implicou em um exame mais detalhado dos usos que o analista, e também o analisando, faz da linguagem, isto é, um estudo da forma como tanto o analista como o analisando expressam os pensamentos. Por sua vez, este estudo envolve a questão da mentira e de todos os processos envolvidos numa Grade Negativa – tais como as transformações em alucinose provenientes das incontáveis falsas premissas que regem muitas lógicas do dia a dia, e as diversas facetas clínicas dos projetos para antecipar a própria morte (Chuster e Conte, 2003 (5)).
Também se evidenciou que a história do paciente evoluía por meio de diferentes tipos e ciclos de transformações, não de forma linear, mas através de “saltos” de um ciclo para outro. A história vai mudando com a evolução do processo e permite um aumento da liberdade e da maturidade que o paciente consegue atingir. O ganho de autonomia permite que as interpretações da história infantil deem lugar a uma história inteiramente diferente, uma história de vida que conduz naturalmente a uma nova visão, não mais referida ao conflito entre princípio do prazer versus princípio da realidade, mas uma história baseada no desenvolvimento de três princípios de vida: a) sentimentos, b) pensamentos antecipatórios, c) Sentimentos + pensamentos antecipatórios + Pensamentos (previsão ou prudência nas ações) (Bion, 1979).
Esta foi uma evolução da teoria que passou despercebida a muitos, mas que permite uma significativa mudança no trabalho analítico ao gerar um enfoque mais profundo na ética de pensamento que está operando na vida mental do analisando. Também implicou na escolha do uso de princípios ético-estéticos (Chuster e cols. 1999, 2003) sobre o uso de modelos. Esta mudança de enfoque possibilita uma análise mais centrada na confusão de valores e nas distorções e inadequações causadas pelos estados mentais. Acrescente-se a análise das falsidades e hipérboles, e, a significativa elaboração da imensa área das mentiras, rivalidades e alucinose. Esse enfoque distinguiu-se do enfoque clássico que privilegia a interpretação das ansiedades primitivas.
A centralização de um trabalho nos vínculos da intimidade psíquica como geradora de progresso e melhoria das condições de vida, trouxe um distanciamento dos modelos médicos. Além disto, permite entender a análise sendo conduzida pela função psicanalítica da personalidade nas variações quantitativas e qualitativas de cada paciente. Isso explica melhor porque as pessoas alternam a sua capacidade analítica (analisibilidade) de uma forma geral e até especificamente no mesmo dia. Embora seja possível referir essa analisibilidade variável à presença maior ou menor das influências da parte psicótica da personalidade (Bion, 1957), tal afirmação levanta extensos e delicados problemas que podem envolver uma revisão mais ampla de toda teoria psicanalítica.
Essa revisão veio se desenvolvendo desde o trabalho “Sobre Arrogância” (1958), quando Bion faz uma releitura do mito de Édipo, deslocando a ênfase na sexualidade para a presença da parte psicótica da personalidade contida na arrogância dos personagens. Mais ainda, Bion valoriza todos os personagens do mito de Édipo, faz dele o exercício fundamental de treinamento da intuição analítica, e situa a psicanálise numa ética trágica, relacionando-a com a busca incessante da verdade que não pode ser encontrada. A questão da psicanálise é a da verdade. Não no sentido da verdade absoluta, que não pode ser alcançada, mas na criatividade que desperta quando se tenta encontrar a verdade e sintonizar-se com a realidade de uma forma complexa.
Os desenvolvimentos posteriores desta releitura mostrarão que onde Freud vê a aparente dissolução do complexo de Édipo, Bion propõe que se veja a essência da evolução do Complexo de Édipo, apontando para o longo caminho que o ser humano ainda tem que trilhar em direção à aquisição de uma plena autonomia social (6).
Se postularmos e constatarmos graus diferentes de analisibilidade entre pessoas, deveremos questionar critérios estabelecidos como o número de sessões necessárias, por exemplo. Mas como avaliar da função analítica da personalidade e, de acordo com sua extensão dentro das pessoas, como estabelecer os parâmetros da análise a ser realizada?
Tal pergunta se desdobra graças ao critério de aplicação do objeto psicanalítico, nas três áreas descritas como mitos, sentidos e paixões. É fato que uma integração das três áreas vai gerar uma interpretação analítica e, podemos entendê-la como experiência emocional, todavia, o problema será sempre como colocar em linguagem essa experiência. Envolve criatividade através de imaginação.
Portanto, podemos dizer que a obra de Bion coloca em jogo “revelações” psicanalíticas que produzem transformações no decorrer de uma prática responsável na mobilização emocional que caracteriza o vínculo analítico.
Finalmente, é importante ressaltar que a busca da verdade consiste no cerne da prática psicanalítica e está implícita na solidão do trabalho analítico, com uma vida própria, uma vida de criação, uma história imanente e, que é apenas em função de seus próprios problemas, de sua própria história, que ela pode ser compreendida por quem por ela se interessar. Foi sempre nesse sentido que a psicanálise conseguiu romper com a cientificidade que sempre existiu com relação ao conhecimento da realidade psíquica. Pois, não se trata apenas de uma questão de objeto novo; trata-se de todo um novo modo de pensar que deve constantemente ser resgatado.
A psicanálise em Bion não deu apenas um novo conteúdo à história da verdade, mas trouxe uma nova maneira de colocar os problemas. É neste campo que se situa o novo paradigma do objeto psicanalítico.
Notas:
(1) Heisenberg, W.; Física e Filosofia, citado por Bion
(2) Roger Money-Kyrle usou esse mesmo modelo em seu livro The Unconscious as Infinite Sets.
(3) “If we attribute a significant importance to the birth´s caesura, then we have to consider what language the fetus ready to be born speaks or understands. We are not reaching the point of analyzing fetus ready to be born, but we have to analyze grown up children. People come to us probably because of despair. In reality, they do not believe that anything could be made for them and are in a turbulent state”.
(4) Uma analisanda descreveu esta experiência comparando o analista a um bruxo que vai mexendo o caldeirão da história, e após colocar as coisas mais estranhas, aparentemente sem ligação umas com as outras, sempre surpreende com uma novidade, uma criação que integra.
(5) A complexidade destes processos se sucede continuamente: a verdade é inatingível. Não há nem mesmo definição do que seja isso. Não adianta buscar o consenso universal, a teoria da evidência, a convenção entre as pessoas, o critério de convergência intelectual ou o pragmatismo pelo sucesso. Todos os critérios se reduzem a hipóteses filosóficas sobre a teoria do conhecimento ou sobre a epistemologia propriamente dita. Uma solução é utilizar a verdade não como modelo, mas como metáfora, tal como postulou Paul Ricouer. A verdade metafórica nada mais é do que uma faceta da complexidade que é preciso levar em conta nessa visão da análise como função da personalidade.
(6) Bion coloca no objeto psicanalítico não uma contraposição entre narcisismo e Édipo, mas narcisismo versus social-ismo que entendemos como polo espectral de aquisição dos conceitos de autonomia social.
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